Na floresta de um paraíso / inferno verde de uma grande planície, às margens de um rio-mar, vivia um caboclo muito pobre em uma estaca de palafitas.
Todo o dia, antes do amanhecer, para garantir o seu sustento, ele andava floresta adentro a recolher frutos, flores, mel, raízes e sementes, o que fosse para vendê-los no povoado que ficava do outro lado da margem, voltando para casa somente ao entardecer, lá sempre aparecia gente que vinha da cidade grande ou do estrangeiro, que gostava de beber, comer e apreciar “coisas diferentes”.
No caminho de volta, o caboclo, ao atravessar novamente o rio, atirava na correnteza tudo aquilo o que não havia vendido.
Um dia, choveu, choveu tanto, uma chuva daquelas…. torrencial, ali naquele mundo, isso acontecia muito, e a travessia tornou-se impossível, pois o rio enchera e apresentava violenta corrente. Sem saber o que fazer o caboclo nem se mexeu e ficou parado, só olhando. Ficou assim nessa pasmaceira durante algum tempo, quando então viu o danado de um boto vermelho vir ao seu encontro: “Venha amigo, precisas chegar ao outro lado. Se aceitas minha ajuda monta em minhas costas”.
O caboclo não se espantou ao ouvir falar um boto, ali naquele mundo isso acontecia muito, e depois já ouvira tantas coisas sobre aquelas criaturas; seres encantados da floresta, que só pensou que esta ajuda, que em tão boa hora lhe era oferecida, era mais do que bem vinda. Mas tão logo se acomodou em cima das costas do boto, o bicho, nadando rapidamente mergulhou, desaparecendo nas profundezas das águas.
Num abrir fechar de olhos, mais rápido do que digo a palavra cisco, chegaram a um lugar muito estranho, porém belíssimo, aonde uma casa suntuosa, um verdadeiro palácio, erguia-se, resplandecente, e cuja dona era nada mais nada menos, que a Yara, a mãe d’água.
Dentro dessa casa maravilhosa a bela senhora de cabelos negros e sorriso encantador, os aguardava e mal os viu chegar, pediu ao caboclo que se aproximasse e saudando-o calorosamente lhe agradeceu pelos presentes que todos os dias lhe traziam as águas do rio.
“Bem vindo sejas, meu amigo, ao meu reino, eu sou a Yara, a mãe das águas”. Disse ela. “Vem, aproxima-te, pois tu és o responsável pela beleza e alegria que enfeitam os meus dias”.
Depois, a mãe d’água, após fazê-lo sentar-se ao seu lado, bateu palmas três vezes e mandou que a festa começasse com delicadas melodias e harmoniosas danças de peixes e ainda um grandioso banquete. Encantado, o caboclo permaneceu ali por um longo tempo.
Todavia, tudo, um dia, seja bom ou ruim, chega ao fim e assim o hóspede, maravilhado e agradecido, decidiu que deveria retornar para casa. Foi ter com a Yara e lhe disse: “Mãe d’água é chegada a hora de voltar para casa a fim de cuidar do que é meu. Embora ame este lugar e a tua bonita presença, é com pesar que te digo que devo partir”.
A Yara, após ouvir aquelas palavras de despedida, mandou que este esperasse um instante e ordenou que trouxessem à sua presença um curumim vestido apenas com uma tanga: “Amigo, vou pedir-te um favor. Cuida bem deste curumim. Se assim o fizeres, ele fará com que teus desejos se tornem realidade”.
O caboclo aceitou a incumbência e voltou para casa na companhia do curumim. Porém, ao chegar lá, deu-se conta da imensa pobreza de sua choupana e da extrema solidão daquele lugar. Recordando-se das palavras da mãe d’água, pediu ao curumim que mudasse tudo. Não precisou se repetir… Imediatamente, o pequeno, batendo palmas três vezes, transformou a palafita em uma magnífica construção, ricamente adornada, bem no meio da praça principal da cidade.
Eis que então, o tempo passou e o caboclo logo se acostumou aos rapapés e a vida boa, cheia de luxos, que o dinheiro lhe proporcionava. Tomou gosto. Agora tinha muitos amigos e o que comer não lhe faltava. Ao contrário, quase toda a noite dava um banquete e enchia a casa de música e convidados. O orgulho se instalou e em breve o fez se esquecer completamente de sua origem humilde e foi exigindo, a cada dia, uma maior quantidade de coisas, e ali, num lugar tão esplendidamente luxuoso que era o seu palacete, o homem principiou a achar que o curumim, coberto somente pela tanga, não lhe ficava nada bem. Então, levou-lhe uma roupa bonita para que a vestisse. Entretanto, o curumim recusou-se terminantemente a fazê-lo, dizendo que era feliz do jeito que estava.
“Queres que eu me transforme naquilo que não sou. Não quero… não vestirei roupa nenhuma. Sou feliz assim, do jeito que estou”.
O caboclo se aborreceu e por fim, chegou à conclusão de que já possuía tudo o que queria e sugeriu ao curumim que voltasse ao fundo do rio. Ele se negou a regressar, mas ao ver o caboclo contrariado, concordou em partir. Foram ambos então, caminhando pela elegante avenida que os separavam da beira do rio. Não demorou. Ao chegarem, o curumim lançou um último olhar ao caboclo, misto de pena e adeus.
O caboclo suspirando de alívio por ter conseguido se livrar daquele menino tão insolente e inconveniente, voltou cantarolando para casa.
Porém, ao chegar, para sua total estupefação, a mansão suntuosa havia desaparecido inteiramente. Em seu lugar estava novamente a velha estaca de palafitas, na erma solidão da floresta; olhou para si e viu que suas ricas vestes foram substituídas pelas mesmas roupas de antes quando, outrora, era apenas um simples caboclo lutando por sobreviver. Percebendo o seu erro, o infeliz correu desesperado em direção ao rio, chamando pelo curumim. Mas era tarde demais… O curumim também havia desaparecido.
NOTA: DAS PROFUNDEZAS DO RIO é reconto do conto O Menino do Palácio do Dragão, do livro Histórias da Tradição Sufi; textos compilados e organizados pelo Grupo Granada de Contadores de Histórias; 1993, Edições Dervish.
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