Enquanto faziam mais uma pausa, Guto já imaginava o que acontecera com o sábio. De onde teria saído todo aquele couro e para onde teria ido nesse pouco tempo que tivera, o sábio. Ao recobrar as memórias, seu avô já suspirava aguardando as divagações do neto, que pôs-se de imediato a escutar logo que percebeu a pausa prolongando-se.
– Os homens vasculharam a gruta e não encontram outras saídas. Questionaram o grupo de seu bisavô sobre a veracidade da história e todos já estavam céticos sobre tudo, exceto pelas tiras de couro que carregavam consigo. Reuniram-se e os líderes dos grupos decidiram retornar o mais breve possível com as notícias que tinham, a bota recuperada. Não sabiam o que fazer com as tiras de couro, mas as levaram assim mesmo. A descida montanhosa parecia ser por uma escadaria, pois homens e cavalos estavam mais treinados e acostumados aos percalços do caminho. Ao avistarem a cidade, a beleza que os invadiu preencheu todas as dúvidas que sentiam e fez com que apertassem o ritmo da descida para ainda poderem tocar seus familiares e amigos naquele mesmo dia, que ia findando com o Sol já procurando o mar no horizonte límpido que se estendia na área litorânea de seu amado país.
– Vovô, todos voltaram?
– Parece que um cavalo teve um problema numa perna e precisou ser sacrificado mais tarde.
Mas todos os homens voltaram. Chegaram bem ao entardecer, encontrando um grande portão erguido à frente da muralha construída. Ao abrirem-se as portas, encontraram todo povo na rua a espreitar o retorno e a buscar seu mais valoroso objeto que perdera-se na montanha.
– O príncipe, vovô? O príncipe!
– Isso aí, Guto. Passaram triunfantes pelo povo, embora cabisbaixos por não trazerem consigo esse prêmio. Rumaram para a praça central, onde os últimos estabelecimentos comerciais e industriais cerravam as portas. O rei os aguardava do lado de fora de sua casa com um sorriso abrandado pelas certezas que já possuía. Conversou com os líderes da empreitada e os escritores do reino trataram de copiar cada palavra que estes falaram. Todos os detalhes foram minuciosamente escritos, lidos e relidos durante aquela noite. Até que todos concordaram que não havia mais nada diferente do que esta escrito do que tivera ocorrido.
Assim, foram para suas famílias ter com os seus o merecido descanso. Nosso monarca da época permaneceu acordado o restante da madrugada, escrevendo alguns tratados e planejando o futuro de seu reino. Embora desgastado pelas perdas históricas, perder um herdeiro pode significar o fim de um reino definitivamente. Ele sabia disso e não dormiria até resolver esta questão. Pela manhã deitou-se para descansar algumas horas e mandou reunir o povo na praça após o almoço, onde promulgou seus tratados e planos para o país que perduram até hoje.
– O resto eu sei, vovô. Foi criada a subida semestral da montanha, foram convocadas eleições para representantes do povo junto ao Rei e todas aquelas tiras de couro foram espalhadas pelo Reino todo, sinalizando nossas fronteiras e nossas intenções de mantê-las. Ah!, além disso, o par de botas do príncipe encontra-se emoldurado na entrada da cidade como nosso maior símbolo. Mas, uma coisa ainda me intriga: por que os bárbaros não desceram mais para castigar nosso país, vovô?
– Por que será, meu neto? Por que será?
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