Simplicíssimo

Hoje (5)

2007-01-06
Pronto! Estou de volta, após horas em demanda do santo
remédio. Perguntar-se-ão os meus leitores se valeu a pena. Tudo vale a
pena se a alma não é pequena, lá dizia Pessoa, e quem sou eu para
discordar? Sim, valeu a pena, apesar dos quilómetros que calcorreei, e
de quase ter sido apanhado com a boca na botija (da tintura de iodo).
Caminhando no sentido da baixa de Leiria, a primeira loja que
encontro é uma loja de uma cadeia de supermercados cá de Leiria que
não me paga para a publicidade, pelo que omito o nome. Entrei e
comecei a inspeccionar as prateleiras. Podia ser que acidentalmente lá
houvesse ainda um frasquinho de tintura esquecido. Nisto aproximase
uma empregada que, tendo notado que eu não me decidia por nada,
me perguntou:
– Posso ajudar? O que é que o senhor procura?
Foi aqui que eu quase me denunciei, ao responder:
– Estou à procura de tintu…
Foi por um triz que eu não acabei a frase. E ainda bem, porque a
empregada entendeu a minha resposta de outra forma:
– Mas a prateleira dos vinhos é essa aí atrás. Há “tintos” e
brancos e tem muito por onde escolher.
A máfia não dorme, já me estão a obrigar a levar uma garrafa de
vinho tinto em vez de tintura. Nunca entre num supermercado só para
procurar algo. É suposto que leve sempre qualquer coisa, e quem
entrar e sair sem nada fica logo na lista negra, quando não é revistado
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pelos “securitas” que estão à porta. Mas comigo isso não pega porque
antes de entrar eu já pensara nisso, e nunca teria entrado se fosse só
para procurar tintura. O tinto estava, felizmente, na minha lista e, deste
modo, foi o que eu comprei, agradecendo à empregada por me ter
ajudado.

Não entrei logo na primeira loja de chineses, nem na segunda.
Não consegui resistir a entrar na terceira loja. Fui andando no meio dos
corredores até descobrir o sítio dos medicamentos. Álcool havia
bastante mas, qual não é o meu espanto quando verifiquei que, ao lado
do álcool, estava um enorme espaço vazio. Mais do que óbvio que era
o lugar da tintura de iodo que já fora comprada por algum
açambarcador. Afinal não sou o único precavido cá do sítio. Mas, ou
me engano muito, ou foi o meu colega de Química que terá passado
antes de mim. É o único a quem eu já revelei a minha teoria da
tintura…
À saída, reparei na senhora da caixa. Era ela, a chinesa com quem
eu sonhara. Que susto, meu Deus! Ela fez-me um sorriso amarelo e eu
retribuí com um sorriso branco (de susto). Saí mas, sempre preocupado
que tivesse sido seguido pelos mafiosos, olhava de vez em quando
para trás a ver se eles teriam vindo no meu… “percalço”. Não! Que eu
tenha visto, ninguém veio atrás. Acelerei o passo e, num instante,
cheguei à praça Domingos Lobo onde entrei num café que lá abriu
recentemente e sentei-me a uma mesa, cansado.
– O que deseja?
– Café, se faz favor!
Bebi o café e li o jornal que, como sempre, me ajuda a estar a par
das notícias da máfia. Mas temos que estar prevenidos para ler nas
entrelinhas. Os incautos cidadãos lêem, mas lêem mal, encaixam tudo
tal qual vem escrito. Está mal, muito mal, as pessoas deviam aprender
na escola como ler as notícias dos “merdia”. Por exemplo, “descida do
preço do petróleo” significa, pela certa, aumento do ISP; “a cura do
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cancro está para breve” significa, invariavelmente, que a Liga
Portuguesa Contra o Cancro anda em peditório, etc..
Acabei de ler, paguei e saí. O Centro Comercial D. Dinis ficavame
a caminho, não podia deixar de lá entrar. Mas, vindo pela rua de
trás, dei com uns contentores de lixo abertos. Falta de civismo, lá fui eu
fechar os contentores. Porém, a curiosidade de espreitar o lixo voltou
ao de cima e, antes de deixar cair a tampa de um dos contentores, vi
um frasquinho que me chamou a atenção, no interior do contentor.
Tirei o casaco, arregacei a manga, e mergulhei a mão em direcção
àquilo que me parecia ser, nem mais nem menos, um frasco de tintura
de iodo. Alguém que passava nesse instante olhou para mim com
pena, mas eu não quis saber disso, tinha que apanhar aquele frasco,
desse o que desse.
Consegui!

Henrique Sousa

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