“Não aceitei a Deus. E agora?” – pergunta-se o criador de Dom Casmurro, enquanto vaga pela casa, observando o próprio velório.
Em um canto da sala, três companheiros de Academia conversam em voz baixa. Machado de Assis, aproximando-se, escuta:
“É… lá se foi o mulato…” – lamenta Euclides da Cunha.
“Uma grande perda para as letras…” – observa Graça Aranha, para logo em seguida, pigarreando, completar: – “Se bem que em Esaú e Jacó ele começava a demonstrar um certo desgaste. O ilustre amigo concorda?”
"Desgaste eu não diria, mas uma certa repetição no tom da narrativa… Por exemplo, aquela ironia já estava se tornando maçante…” – responde Olavo Bilac.
O espírito (Ou sei lá o quê! – Como queira o leitor chamar ao estado pós-morte!) ri-se do comentário:
“Maçante? Sim… Tens razão, papa-defuntos…”
E voa (literalmente) para outro grupo – agora composto por Joaquim Nabuco, Mário de Alencar e Rodrigo Otávio – os quais, em meio a café e bolinhos, discutem uma das obras mais célebres do finado. Primeiro, escuta-se a voz de Alencar:
“Tudo imaginação do Bentinho!…”
“Não, senhor: a Capitu o traiu!…” – discorda Rodrigo Otávio.
E o outro imortal, ao lado:
“Concordo com Rodrigo. Foi traição.” – arremata Joaquim Nabuco.
Mas uma quarta figura intervém: “Nada de conclusões precipitadas, senhores… Lembrem-se de que o nosso querido Machado adorava discorrer sobre a contradição humana…” – E, tossindo, Rui Barbosa acende mais um charuto.
O espectro (voilà, caro leitor!) resolve deixar de lado aquela discussão e vai até o féretro, para examinar – agora mais atentamente – o cadáver. Por alguns segundos, olha fixamente para a máscara da morte no corpo que outrora habitara, para em seguida, suspirando, concluir:
“É, Quincas… realmente: ao vencedor, as batatas.”
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Nota: O Conto “Memórias Póstumas de Joaquim Maria” recebeu o Terceiro Lugar no IV Concurso Nacional de Contos de Cordeiro (RJ) – Troféu Machado de Assis” (Setembro de 2008).
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