Ela murmurou, tremendo o maxilar e inflando as narinas.
– Eu sabia disso, João. Eu sabia!
Era a primeira vez que me chamavam pelo meu nome verdadeiro.
Ouvi um outro trovão.
Meus pelos (tem acento ou não? com tanta reforma na língua Portuguesa eu nem sei mais) ficaram todos arrepiados.
Engraçado, caía raio, caía raio, e não chovia.
A Tonha me abraçou com tanta força que quase quebrou minhas costelas.
E me lascou um beijo que por pouco não me arrancou os pivôs da frente.
– Paixão – ela balbuciou – venha, venha, eu quero fazer amor com você, eu quero!
Entramos no caixão dela.
Eu fiquei por baixo e ela, por cima.
Ela estava tão sedenta!
Mas eu, não.
Ela pediu:
– Dito, traz uma injeção de Viagra aí!
Injeção de Viagra, existe isso?
E eu também pedi:
– Camisinha também, Dito…
Só sei que depois de um minuto consegui fazer amor como um louco.
Pior que ela ficou tão satisfeita que urrou:
– Meu grande, eu quero ficar com você eternamente!
– Hein?
– É, amor, pode largar esse biquinho idiota de vender produtos eróticos. Eu banco todas as suas despesas. Quero que você more comigo… para sempre.
Olhei bem pra cara despencada dela, pros seios super-caídos, pro barrigão precisando urgentemente de uma lipo e falei:
– Tudo bem, linda, mas antes eu preciso resolver uns negócios lá no centro de Londrina e volto logo, ok?
A Tonha não era nada boba.
– Ara, deixa isso pra lá, Pintinho. Eu mando o Zelão resolver tudo pra você.
– Pelo menos deixa eu colocar o fusca dentro do puteiro, Toinha.
Ela pegou o celular.
– Zelão, faça uma ligação direta no fusca do Pintinho de Ouro e ponha esse museu dentro do puteiro.
Meus pelos se eriçaram todos. De novo.
– Venha comigo – ela falou me pegando pelo braço.
Eu estava com uma péssima impressão. Me lembrei de mil filmes. Me lembrei de um onde um escritor, interpretado pelo James Caan, ficou prisioneiro de uma velha louca.
– Não, Toinha, não, pelo amor de Deus, eu preciso pagar o meu aluguel que está atrasado quatro meses. Se eu não pagar eles me põem na rua.
A Tonha gargalhou feito uma bruxa.
– Não se preocupe com isso, querido! Eu pago pra você.
– Onde é o banheiro, Tonha? – perguntei, porque precisava de um banho urgente. Maldita diarréia!
– Calma, Joãozinho, nesse quarto onde você vai ficar, de graça, tem tudo. Até caviar e vinho de R$10.000,00 tem, se você pedir, o Dito traz pra você.
– É mesmo, amor? Não parece, o puteiro está em petição de miséria.
– É só um disfarce, amoreco.
– E eu tenho que fazer o que pra merecer toda essa mordomia?
– Nada, lindinho, basta que você fique comigo e-ter-na-men-te, só isso.
Meu Deus, pior que a Tonha era tão forte que conseguia segurar meus dois punhos com uma mão só.
Resolvi pedir a Deus que me livrasse daquela situação.
– Meu Deus – eu pensei – se você me tirar dessa eu juro que nunca mais grudo meleca debaixo das poltronas do cinema. Eu juro que nunca mais passo a mão nas bundas da mulherada no carnaval, eu juro que nunca mais eu peido em ônibus e elevadores lotados, eu juro!
Depois eu me lembrei de que não acreditava em Deus e deixei pra lá.
A Tonha abriu uma porta e anunciou:
– Este é o nooosso quarto, meu amor. Sinta-se à vontade. Eu preciso trabalhar, mas a cada quinze minutos ou meia hora, e durante a maior parte do dia eu estarei aqui com você. Me dê o seu celular.
– Meu celular? Por que?
Ela não respondeu. Deu uma porrada no coitado do telefone.
– Odeio essas coisas eletrônicas!
Outro grito de horror.
Dessa vez, meu.
—
Capítulo VI
Ela me prendeu no quarto.
Não tenho bem certeza, mas acho que ouvi umas violentas patadas sei lá onde.
Na certa era o Fodão comemorando minha prisão.
Maldito cavalo!
Se eu conseguisse sair daquela prisão eu tinha jurado que iria capá-lo.
Dei uma boa olhada no quarto.
Havia uma espécie de caixão de defunto duplo.
Ah, a Toinha era tão "romântica".
Devia ser nosso leito nupcial.
Tinha até teias de aranhas.
E flores.
Umas com um cheiro horrível.
Resolvi descansar um pouco na parte esquerda.
A minha parte, na certa.
Deitei-me sentindo um frio no estômago.
Será que a Tonha pretendia me matar e depois se suicidar?
Não, eu não era tão grande coisa assim.
Talvez fosse apenas uma piada.
No quarto havia também uma geladeira, um aparelho de dvd, uma escrivaninha da década de cinquenta, várias algemas, vários chicotes, um alicatão de capar boi, um soco inglês, um par de botas, vibradores, pênis de borracha e até um taco de esnuque(?!)
Meu Deus, se a Tonha fosse usar tudo aquilo em mim eu estava perdido, perdido.
Vai ver que a mulher estava querendo tirar o atraso de trinta anos.
Peguei meu kit fé da carteira, contendo uma gravura de Jesus, uma de Buda e uma de Iemanjá e fechei os olhos implorando algum milagre.
Depois, me lembrei de novo que era ateu e tentei achar alguma saída.
A porta era muito bem trancada e a madeira era muito grossa, tipo daquelas portas de castelo mesmo. Impossível arrombá-la.
Havia uma janela com espessas grades e também fechada, claro.
Ouvi batidas na porta.
O Dito entrou sorridente.
– Com licença, doutor Pintinho. Eu trouxe um jantar quente pra você.
Ele colocou o prato em cima da escrivaninha.
Seria algum ensopado de sapo com urubu?
Tenho quase certeza de que ele leu meus pensamentos.
– É apenas macarrão com linguado… e… um bom vinho francês.
Vinho francês? Poxa, a Toinha devia estar podendo mesmo.
Quase me ajoelhei pro barman.
– Dito, deixe eu sair, Dito. Por que eu estou trancado aqui?
– Eu não sei, doutor Pintinho, mas acho que a Tonha está só de brincadeira com você. Não se preocupe, ela deve estar preparando o clima pra vocês "pegarem fogo". A Tonha é muito criativa, você sabe. Gosta de fazer coisas diferentes.
– Será que ela não quer me prender aqui pra sempre não?
O barman gargalhou.
Ele ficou com a cara do Zé do Caixão.
– Pra sempre não existe, Pintinho, você sabe. Eterno só a morte. Ele deixou alguns cds em cima da cama, digo, do caixão, e saiu. Boa noite – disse ele – e… boa sorte.
Jesuzinho, pra que ele foi falar aquelas duas últimas palavras?
Entrei no banheiro e me lavei.
Sorte que a cueca era plástica.
Secava logo.
Depois, escolhi um filme, acendi um cigarro e pus no dvd.
Era Nosferatu.
O cd menos amedrontador do lote.
De novo, batidas na porta.
Só podia ser a Tonha.
Capítulo VII
Não era a maldita cafetina.
Era a maldita clone dela.
O Dito abriu a porta.
– Posso entrar? – ela perguntou.
Fiquei irritado.
– Pra quê?
A Tonha falou pra eu oferecer minha companhia enquanto ela atende o último fregués da noite. Tem camisinha aí? Eu só transo de camisinha, porque hoje em dia…
– Vá pro inferno! Eu quero é que a Tonha me solte daqui.
A mulher saiu resmungando.
– Eu, hein? Cada homem grosso! Cruzes! A Tonha precisa me dar um aumento. Ter que aguentar essas coisas…
Deitei-me no caixão e voltei a assistir ao filme.
Quando desviei um pouco a vista da telinha reparei que debaixo da escrivaninha existia um pacote.
Abri um pouco o embrulho e notei quatro velas de defunto.
No começo ri, depois entrei num pânico insuportável.
Pra me acalmar peguei uma garrafa não sei do quê da geladeira, pois o Porto já havia acabado.
Terminando a bebida, cheio de fúria, atirei a garrafa na parede.
Quem iria se importar com esse barulho?
– É fulano que está esmurrando a parede do quarto – diria o barman pra algum possível novo freguês que estranhasse o fato – ele sempre faz isso pra conseguir se satisfazer.
Tentei pedir socorro usando o velho código Morse.
Bati em cada parede: três batidas rápidas, três lentas e de novo três batidas rápidas.
Aí me dei conta do papel ridículo que eu estava fazendo: quem ali poderia conhecer o código Morse? Marinheiros não costumavam frequentar o puteiro, nem aviadores e muito menos antiquíssimos operadores do Correio.
Pensei em gritar "fogo, fogo, fogo", em vez de socorro, pois certa vez li que numa situação de perigo não devemos gritar socorro porque ninguém se importaria. Muito menos ali.
E berrei:
– Fogo! Fogo! Fogo!
Dali a instantes o Dito apareceu trazendo um isqueiro, de ouro, por sinal.
O que fazer?
O jeito era esperar a Tonha chegar.
Desliguei o dvd e me deitei no caixão.
Comecei a me lembrar da primeira vez em que fui ao puteiro.
Foi quando eu tinha uns dezoito anos.
Meu pai me disse:
– João, meu filho, agora você é um homem. Tome esse dinheiro e vá a algum bordel. Vamos ao puteiro da Tonha. Eu vou ficar te esperando lá fora pra saber se você é homem mesmo e não veado.
Engrossei a voz e falei:
– Que idéia, pai, eu sou homem, sim. Pergunte aos meu amigos.
Ele não entendeu a piada:
– Quê?!
– Nada, nada.
Quando entrei no puteiro a Tonha veio me atender.
Ela era tão bonita naquele tempo!
Não era a dona do bordel ainda, lógico, mas era a "prima dona" do pedaço.
Acho que foi a melhor noite da minha vida.
Apesar de eu ter acabado o "serviço" em apenas três segundos.
Ela foi tão compreensiva:
– Ah, você é "galo", amorzinho, é? Meu galinho garnizé. Garanto que daqui a uns meses você vai demorar horas (e foi o que aconteceu). Vou te ensinar milhõõões de coisas.
De repente novas batidas na porta.
Eu já estava ficando de saco cheio de tantas interrupções.
– João! João! Posso entrar, amor?
Capítulo VIII
Dessa vez era a Tonha.
Finalmente.
Ela estava toda sorrisos e felicidade.
Por um instante meu coração disparou por ela de novo.
"Amor velho tem raiz", dizia minha avó.
Mas logo voltei a mim.
Olhei no relógio.
Já fazia umas quatro horas que eu estava preso.
Joguei-me aos pés da minha outrora bem-amada, e, apesar do chulé dela, implorei:
– Me tira daqui, Toinha, me tira!
Ela passou a mão na minha cabeça, arregalou os olhos e murmurou com um estranho tom de voz:
– Tirar você daqui pra quê? Aqui você tem tudo, meu anjo. E você sempre me amou tanto, João. Você mesmo me disse que nunca me esqueceu.
Bom, quando ela tinha dezoito ou vinte anos isso era verdade mesmo.
Agora… Pelo amor de qualquer coisa…
– Mas quando eu vou poder ir embora, quando?
Ela balançou a cabeça;
– Quando? Sei lá, acho que nunca. O que está faltando aqui pra você? É só falar que eu providencio. Até mulher eu mando pra você. Desde que você "compareça" todas as noites comigo. Ah, meu amor, meu amor, não será depois de trinta anos que eu vou te perder de novo não, pode ir tirando seu cavalinho da chuva.
Percebi que ela estava falando sério.
– Venha, vamos fazer amor, vamos?
Achei melhor não contrariá-la.
Prendi a respiração e fechei os olhos.
Deitamo-nos no caixão.
Ela acendeu as quatro velonas.
Senti minha cueca mijada.
– Quer que eu use alguma coisa em você? – ela perguntou, se referindo ao arsenal erótico que estava espalhado pelo quarto. Que tal o alicatão de capar boi, ou… o taco de esnuque?
– Tem pregador de roupa aí? Pra eu tapar o meu na…
– Como?
– Nada. Depois a gente usa, querida…
Pedi um preservativo.
Ela negou, dizendo que não tinha doença nenhuma e camisinha ela usava só com os fregueses.
– Eu não tenho DST nenhuma e tenho certeza de que você também não tem, fofo.
Peguei uma garrafa de rum da geladeira e bebi uns bons goles.
Insisti e ela, também, bebeu… muito.
Ela tirou as dentaduras e foi direto primeiro no "oral".
– Benza-a, Deus, que nojo!
Comecei o "serviço" e a cada instante eu lhe oferecia mais rum.
– Ai, meu lindinho, ai meu lindinho – ela bufava.
Ah, que diferença de trinta anos atrás.
A pele dela estava áspera, os seios balançavam no ar iguais a bexigas, a bunda quase nem mais existia de tão caída…
Segurei o orgasmo ao máximo.
Quando ela estava bem embriagada, peguei uma algema e prendi o braço dela na cama.
Cobri a algema com uma colcha e esmurrei a porta.
– Dito! Dito! Vem aqui logo que a Tonha teve um troço.
O barman chegou muito apavorado e como eu havia previsto ele deixara a porta aberta.
Peguei o taco de esnuque e acertei a cabeça dele.
Quando eu estava saindo do puteiro dei de cara com o Zelão.
Capítulo IX
Como encarar aquela montanha?
Ainda mais que ele estava com um revólver na mão?
Fui andando devagar até ele.
Pra meu espanto ele falou:
– Pode ir, Pintinho, aquela maldita megera uma vez, por castigo, me enfiou aquele taco de esnuque no… Você está com a chave do seu fusca, né? O carro está ali. Boa sorte.
Como a vida é engraçada!
Apertei a mãozona do Zelão e fui embora mais do que rapidamente.
Eu não tinha mais casa,
Fui a um hotel.
Dormi rapidamente, morto de cansaço.
Acordei ouvindo patadas na parede.
Mas será o Benedito, pensei.
Meu Deus, será que o pesadelo ainda não tinha acabado?
Abri a porta e vi um cavalo.
Aliás ele era muito bem-dotado.
Só podia ser o Fodão.
Ele relinchou e indicou com a cabeça que era pra eu pegar alguma coisa na algibeira.
Como esse cavalo tinha me achado?
Que eu saiba só cachorros conseguem farejar daquele jeito.
Abri a algibeira.
Havia um bilhete:
BEM-VINDO AO CLUBE DA AIDS, MEU AMOR.
TOINHA
Tive um desmaio de horror.
E quando acordei dei um show de histeria. (Ainda bem que não havia ninguém perto.)
Seria possível?
Aquela miserável estava com AIDS e insistiu em transar sem camisinha?!
Não dava pra acreditar.
Seria ela tão maquiavélica que, calculando que não iria me reter por muito tempo no seu puteiro, usou esse golpe baixíssimo?
Pior era que o exame pra saber que se eu estava ou não com essa merda de doença deveria ser feito só dali a três meses. Por causa da famosa "janela".
O que fazer?
Nada.
A não ser deitar no chão, chorar, espernear e pensar em uma vingança.
Fiquei tão possesso que pensei em botar fogo no puteiro.
Sim, acho que era o mínimo que eu deveria fazer.
Consultei a Internet do cyber ao lado do hotel e logo sabia o bastante pra construir um explosivo que tacaria fogo no puteiro inteiro.
Dava até pra instalar um relógio pra fazê-lo incendiar dali a alguns minutos.
Incrível o que se pode achar na Internet!
Pior que no anúncio da bomba estava escrito: até idiotas e débeis mentais conseguem entender nossas instruções! Estava pra mim!
Dei o número do meu cartão de crédito e no dia seguinte o material estava em minhas mãos.
Em alguns minutos construí a bomba incendiária.
E dali a pouco eu estava no puteiro.
Fui disfarçado, óbvio.
Botei um chapeuzão de abanador de café, um óculos escuros, tipo Waldick Soriano, uma barba, tipo meu tio Barnabé, e fui.
No salão do bordel, entrei no banheiro e coloquei a bomba em cima da caixa de descarga.
Capítulo X
Progamei pra geringonça explodir dali a dez minutos.
Passou dez minutos, vinte, trinta, uma hora e nada.
Conclusão: entendi que me venderam gato por lebre.
Coisa tão "difícil de acontecer pela Internet, né"?
Eu estava lá no meu fusca tendo mais um ataque histérico quando a "Mortiça" (lembram-se dela?, a do capítulo três) me apareceu subitamente e me disse:
– Pintinho de Ouro, a Tonha quer falar com você.
Quase matei a mulher.
Fiquei olhando a prostituta com aquele olhar longo do Michael Caine.
Depois fiz várias caretas pra ela que nem o Jerry Lewis.
– Ela quer se desculpar, Pintinho. Acredite, é verdade. Marque um lugar, qualquer um, pra ela conversar com você. Faça isso, você não sabe como essa mulher ama você, e, como ela é… rica. Sabe quanto quarteirões do centro de Londrina pertence a ela, sabe?
Esse último argumento me deixou curioso e me comoveu. A Toinha mentir desse jeito, pra quê?
– Está bem, mulher, diga a essa puta velha pra me encontrar num dos bancos do Calçadão, perto do Chopão, amanhã, às três da tarde. Pode ser?
– Pode ser, sim. Ela topa qualquer coisa. Aquela mulher arrasta um caminhão de bosta por você, rapaz! Ela está numa choradeira lá no puteiro que ninguém aguenta mais. Fizeram até um abaixo-assinado pra tentar convencer você a falar com ela. Está aqui o pape, ó.
Tudo bem, encontro combinado, voltei ao hotel.
Coloquei um cd do Léo Canhoto e Robertinho no dvd e tive vontade de cantar e de dançar.
Mas me contive.
Poderia ser mais um truque daquela galinha velha.
Eu sabia, sim, que ela tinha grana, mas será que era rica mesmo?
Não que eu estava interessado no dinheiro dela, claro.
Contudo eu poderia pedir uma boa indenização pra me tratar da AIDS.
Se é que havia algum dinheiro no mundo que poderia pagar aquela sacanagem que ela me havia feito.
Eu já me imaginava tomando vinte comprimidos por dia.
Eu já me imaginava, 24 horas por dia, morto de medo de alguma doença oportunista.
Já antevia meu fim, com um AVC atrás do outro, com o fígado branco que nem papel, caindo pelos corredores de algum hospital…
Qual dinheiro poderia indenizar todo aquele horror?
Bom, talvez com uns dois milhões eu ficasse mais tranquilo.
Pensei eu ajustar algum advogado pro troço ficar legalizado.
Desisti.
Como eu poderia provar que eu tinha pegado a AIDS dela?
Não, eu teria que usar o pouco do charme que ainda me restava pra tentar passar a lábia nela.
A "Mortiça" já tinha dito tudo: ela era louca por mim.
Então…
Seria só falar as palavras certas.
Encenar um pouco…
Sorte que eu tinha feito um curso de teatro há poucos meses, e, modéstia à parte, eu sempre fui um bom mentiroso…
Não sei por que de repente recordei dos velhos tempos.
De fato eu era muito apaixonado pela Tonha.
Saí com ela durante um bom tempo.
E cada vez eu gostava mais dela.
Não era só sexo, tinha alguma coisa a mais.
Entretanto, com o tempo tive que mudar de cidade e acabei me esquecendo dela.
Fui dormir.
No outro dia o tempo passou como um tiro, pois fiquei assistindo a uns velhos filmes dos Três Patetas na televisão.
E quando consultei o relógio já eram duas horas.
Fui até o Calçadão tentar ganhar uma graninha da Tonha…
(A Tonha, milionária? Como a vida é engraçada! Como eu poderia imaginar?)
EPÍLOGO
De longe eu vi a Tonha sentada num dos bancos do Calçadão.
Ela estava de cabeça baixa.
De repente fiquei com pena.
Sentei ao lado dela.
Acendi um cigarro.
Eu ainda estava morto de raiva dela.
– Oi – eu grunhi. Está satisfeita agora, sua filha da puta?!
Se eu fosse diabético eu teria entrada em coma imediatamente:
– Oi – ela me respondeu com quilos de açúcar na voz.
Não resisti e já fui falando:
– Você, hein, Tonha? Onde já se viu, me passar uma doença terrível dessas! Era só me deixar usar o preservativo, pô.
Ela me olhou bem nos olhos e sussurrou:
– Você não está com AIDS não. Não se preocupe. Eu escrevi aquilo só porque eu estava com raiva de você. Dê uma olhada nestes exames aqui.
De fato, estavam todos negativos. E eram recentes.
Ela me abraçou e me beijou com tanta força que dessa vez realmente me arrancou um pivô.
Ela o cuspiu, rindo.
– João, eu quero ficar com você, eu faço qualquer coisa, João…
– Tudo bem, Tonha, mas não é me prendendo que você vai conseguir isso.
– Eu sei, amor. E sei também que não é por dinheiro (ela começou a mexer nuns papéis) que você irá ficar comigo.
Passei a mão no rosto dela.
Eu hesitei, (quem não gosta do dindim?) mas consegui falar, com firmeza:
– Tem razão… A propósito, é verdade que você é dona do centro de Londrina?
Ela falou com tristeza:
– Sou, sim. Mas sei que essa grana não me vale nada sem você. Dinheiro não traz felicidade, você sabe, João.
Fiquei comovido:
– Deixa disso… Traz felicidade, sim. Pergunte a qualquer doente em qualquer fila do SUS…
Ela chorou:
– Eu sei que eu aprontei muito com você.
– Que nada.
– E… Bom, só pra provar o quanto eu gosto de você eu estou te passando quase tudo o que eu tenho. Os documentos estão aqui. Só fiquei com alguma coisinha pra poder sobreviver. Pra me aposentar.
Era verdade. Até o puteiro estava em meu nome agora.
– Eu não quero nada, João, só que você me perdoe.
Fiquei sem jeito.
– Está perdoada, Toinha. Pode ficar tranquila. Nem precisava fazer isso.
Peguei os papéis e fiz que ia rasgá-los.
– Não, João – ela pediu, desesperada – é tudo seu.
– Não, eu não quero.
– Pegue.
– Não, eu vou rasgar.
– Pegue.
– Não
– Por favor
– Não, não.
– Pelo amor de deus
– Nããão!
Quando eu dei por mim estava no cartório assinando os papéis do meu casamento com a Tonha.
(Depois, claro, que eu sugeri à Toinha que fizesse umas lipos, plásticas nos seios e na cara, implantasse dentes e acabasse com as varizes nas suas outrora belas pernas. Ela remoçou uns vinte anos, sem mentira nenhuma.)
Demos uma puta festa no puteiro, sendo convidados especiais o Zelão, novo gerente do puteiro, o Dito, a "Mortiça", a Geralda, a Jacira, a clone da Tonha, e… o Fodão, que afinal não me odiava tanto assim.
Ah, e eu voltei a escrever poesias. Eróticas, óbvio. Pra serem distribuídas como brindes aos fregueses do puteiro.
Como a vida é engraçada mesmo!
F I M
—
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