Simplicíssimo

A volta do “professor como missionário”

Uma universidade no Estado de São Paulo, a Unesp, entre tantas coisas que fez de absurdos, uma vez quis chegar ao limite e, então, mandou um papel para seus aposentados, de modo a fazê-los trabalhar como "voluntários". Ou seja, eles tinham sido convidados a trabalhar sem receber! Alguns professores assinaram aquilo. O reitor que fez aquilo, que não sei o nome, deveria ter sido denunciado por incapacidade e falta de ética – no mínimo.
 
Qual a razão dos professores terem assinado aquilo? Muitos assinaram, na verdade, pela razão de que pertenceram a um país onde a cultura era coisa de elite, e até mesmo a profissão de professor era uma "doação para a sociedade". Era serviço de missionário ou de gente rica que, então, doava seu saber à população, na falta de uma maior organização estatal e de uma forma mais moderna de ampliar a educação popular. Quando eu ainda era professor universitário, ao menos nos primeiros anos, eu fazia muito serviço gratuito pelo Brasil afora – eu me sentia já pago pelo salário do serviço público. Era um bom salário, ganhávamos nas Universidades Federais como ministros (equiparados a eles por lei). E nas estaduais paulistas, ao menos em alguns momentos, ser professor não era tão ruim como parece ser hoje (deve estar ruim, pois todos vivem querendo pegar um bico fora)
 
Tudo isso, da minha época de professor, passou. Os salários diminuíram, o que ficou pior, mas, em compensação, a profissão de professor universitário e, por conseguinte, de escritor ou de professor-escritor é hoje algo já mais real. Não estamos ainda na situação dos países desenvolvidos, mas não estamos mais nos anos oitenta. Hoje, a profissão de quem lida com a cultura é uma "profissão de verdade", sejam eles funcionários públicos ou privados. Cineastas, jornalistas, professores, filósofos, historiadores, atores, etc. – todos que trabalham com a cultura cobram e devem, de fato, cobrar mesmo, e devem ganhar bem; nada fora do mercado, para cima, mas nada fora do mercado, para baixo. Trabalhar aquém do "preço do mercado" não é imoral apenas, chega a ser ilegal. E é uma estupidez. Quem faz isso se desqualifica e, pior, desqualifica o colega.
 
Bem, há pessoas fazendo isso? Sim, infelizmente. Alguns professores, e até mesmo alguns que se formaram em filosofia – e que deveriam ser os primeiros a zelar pelo produto intelectual como algo de valor – trabalham por aí gratuitamente. Caso não seja assim, trabalham por um preço tão aquém do mercado, que acabam por quebrar toda a força do produto intelectual. São pseudo profissionais e, pior, fazem isso porque também são pseudo intelectuais.
 
Essas pessoas são desqualificadas como escritores, apesar de terem títulos de doutores, e então se submetem a tudo, ou, então, são apenas jovens que querem "fazer currículo" – forçados por uma vida acadêmica que, por fazer pressão sobre isso, se tornou medíocre – e publicam qualquer coisa em qualquer lugar. Esse tipo de pessoa não tem nada a ver com os abnegados do passado que, mesmo sendo bons, trabalharam gratuitamente. Estas, que trabalham agora por qualquer coisa, são pessoas sem consciência profissional. São pessoas, inclusive, sem consciência política – não percebem o quanto de errado fazem ao incentivarem o empresário aproveitador. Graças a elas, nosso país pode ter empresários que ganham o que não deviam ganhar com produtos culturais de baixa qualidade – aquilo que é mal pago, nunca pode ser bom. Os produtos que saem das fábricas culturais de empresários que não pagam o trabalho intelectual é sempre ruim, e deveria ser denunciado ao PROCOM.
 
Esse é o caso das revistas vendidas em bancas que surgem agora, principalmente as que falam de filosofia. Seus proprietários não pagam e, quando pagam, fazem isso de modo simbólico. O resultado é simples: tapa na cara do escritor, chute nas nádegas do escritor-professor e cusparada no rosto do leitor.
 
Vejamos o correto. Um artigo de tamanho médio, hoje, em uma boa revista (por exemplo, como a da "GV-Executivo"), varia entre 600 reais a 800 reais. Uma palestra, hoje, varia entre dois mil a cinco mil reais em filosofia ou ciências humanas (na área de administração, isso sobe). Em uma preparação de um livro de 150 páginas, hoje, por uma editora multinacional, séria, há o adiantamento para o autor de algo em torno de 5.000 reais. São preços absurdos? Não! O governo, por exemplo, o MEC, que trabalha com cotações baixas, não foge muito disso. No entanto, os profissionais capengas ou muito jovens, aceitam fazer o trabalho por menos – muito menos. Às vezes, fazem até gratuitamente. Os empresários que não primam pela qualidade, tapeiam os sindicatos de trabalhadores intelectuais e usam dessa mão de obra fácil para, acoplado a técnicas de exposição de figuras e buscas na Internet (de sites apócrifos), criarem publicações de péssima qualidade. O visual delas é razoável, mas isso é só para enganar o leitor jovem, inexperiente, ou o leigo. A filosofia, que virou moda, tem sido o tema explorado nesse sentido, a menina dos olhos dos empresários sem escrúpulos.
 
Assim, por causa dessa falta moral de empresários que querem ter lucro desmedido, denunciei as revistas atuais que estão nas bancas, lidando com filosofia em nível de popularização, ou usando internamente de "colunas de filosofia", pois todas elas forçam esse esquema – em especial as da Editora Escala. Não pagam, ou pagam simbolicamente, e fazem um péssimo serviço editorial, comprometendo até mesmo possíveis bons autores que, por ingenuidade, colaboram nelas. As que tiverem seus defensores, dizendo que são diferentes, podem acreditar: estão gritando pois foram justamente as atingidas pelo meu comentário, são as que mais fazem isso.
 
Não podemos concordar com isso, inclusive pelo fato de que o que se escreve nessas revistas, no limite, contém erros intelectuais, pois o que se paga mal, por mais que se possa ter boa vontade de um ou dois, acaba resultando em produto sofrido. Não confiem nessas publicações. Conheço a coisa por dentro – todas elas. Trabalhei nelas inicialmente, e depois que vi como faziam, saí disso. Não posso, com meu nome e currículo, dar aval para erro, imoralidade e falta de profissionalismo. Saí, principalmente pelo fato de não ter conseguido convencer ninguém a fazer o certo dentro desses ambientes podres. Os empresários que não pagam não podem ter trabalhadores disponíveis. Não possuem crivo de qualidade.
 
Portanto, quando virem meu nome em uma revista, saibam: houve bom pagamento e a revista é séria. Tenho me esmerado em saber como que as revistas e jornais estão lidando não mais só com o meu material, mas com a revista como um todo, coisa que eu não fiz inicialmente. Pois não imaginava que jornalistas e professores viessem a participar de falcatruas em benefícios de empresários pouco idôneos.
 
Estou avisando quem consome essas revistas: é como comprar carro novo com peça estragada, você corre perigo. E estou avisando quem trabalha gratuitamente ou de modo simbólico: você está sendo imbecil. Mesmo que se ache um iniciante, não escreva para quem paga de modo simbólico. O preço de mercado é o que coloquei acima, fora disso, não pode haver trabalho intelectual. Quem aceita outra coisa como regra é uma pessoa não só imoral, é um incompetente. E o que é pior, uma tal pessoa, se um dia vier a ser um bom escritor, vai ter prejudicado todos os outros que já eram bons, antes dele, e terá colocado o Brasil no compasso de espera. Essa consciência profissional os professores que escrevem precisam ter. Muitos não tem. Não podemos dar aval a eles e suas publicações.
 
Paulo Ghiraldelli Jr.
"O filósofo da cidade de São Paulo".
Editor da Contemporary Pragmatism, New York.

Paulo Ghiraldelli Jr.

Comente!

Deixe uma resposta

Últimos posts

Siga-nos!

Não tenha vergonha, entre em contato! Nós amamos conhecer pessoas interessantes e fazer novos amigos!

Últimos Posts