Simplicíssimo

Diário de um Careca

No início de 2004 chocamo-nos com uma história onde um rapaz fora jogado de um trem por vestir camiseta divergente das convicções dos agressores. Minha revolta, traduzi neste conto. Texto publicado em 01/2004 no sítio agenciacartamaior.com.br

Diário de um careca

Eu odeio pessoas diferentes de mim. Melhor, eu odeio a maioria. Eu crio preconceitos com a mesma facilidade com que troco de roupa. Diferentes são todos, mas há alguns iguais a mim… Eu não gosto de explicar, talvez até por não ter as explicações para justificar meus atos. Eu apenas odeio. Meu principal alimento é o ódio. Meus irmãos (filhos do mesmo pai) me entendem. Isso já me basta.

Meu sonho é um mundo de pessoas iguais a mim. Sonho toda noite com o mundo povoado por pessoas brancas, católicas, pessoas à imagem e semelhança das gravuras bíblicas. Olhe lá, você verá os meus no livro sagrado. Só mesmo um Deus justo para fazer com que seu filho, mesmo árabe, mesmo líbio, mesmo
nazareno, nascesse branco, loiro, de olhos azuis, e todos os seus, sem exceção, à minha linda imagem e semelhança.

Tudo era bom antes de Caim, um mestiço, com certeza, ter começado isso tudo. Desde então os povos modificaram-se, fugiram à sagrada imagem do Pai. Desde então, coube a nós o papel do Pai. Nós existimos para eliminar os diferentes, para purificar o mundo. Tantos movimentos já criamos, tantos já eliminamos, famílias inteiras, povos inteiros, na santa missão da purificação.

Quem eles pensam que são? O que um simples e ignorante negro pensa que é para tomar o lugar de um irmão ariano, puro, merecedor do paraíso? O que um idiota de um nordestino pensa que virá fazer aqui em nossas terras, levar nossas riquezas, colocar nossos irmãos como seus empregados? O que um gay quer provar ao mundo, passeando à minha frente, de mãos dadas com seu namorado? Como me calar? Como me conter? Sua sentença já estava escrita, eu apenas cumpri. O que um punk nojento pensa ser melhor que eu, aceitando em seu movimento impuros, gays, negros, nordestinos, mestiços?

Entrei no vagão do trem com outros dois irmãos, e a propaganda da impureza estava lá, estampado em suas camisetas. Minha única missão era livrar o vagão daquela sujeira, sem sujar minhas mãos límpidas. E cumprimos mais uma vez nossa tarefa. Ah, se Hitler estivesse aqui, com certeza se orgulharia de mim…

Não me preocupo com meu futuro, estou em paz comigo. Meus irmãos aprenderam mais uma lição com meu exemplo. Outros virão, continuarão minha sagrada sina, e nenhuma associação de direitos humanos irá nos impedir, já que os que eliminamos não são humanos. São apenas inferiores, e eu sou a
justiça, a espada sagrada…

Só preciso lembrar meu advogado de pedir uma autorização para que meu pit-bull possa ficar comigo aqui na cela. Ele precisa muito de mim, e eu dele… Viu como eu sou sensível? Você é que me julga mal. No fundo, sou uma boa pessoa…

Infelizmente, é isso… Como conseguir comentar um sujeito desse tipo, sem perder a esperança, sem se alterar, sem se surpreender que, depois de tantos e tantos anos, há laias em nossa sociedade que insistem em trazer a barbárie de volta, pelo simples prazer de acreditar no diferente, no errado, no insano…
Triste o homem. Felizes os que sentem repulsa em relação às linhas acima…

Marcos Claudino, cansado da guerra…

Marcos Claudino

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