Simplicíssimo

Oh, Quanto Riso!…

“Uma noite de sonhos, de magia!”, lembrava seu Zeca, enquanto varria a pista da gloriosa Marquês de Sapucaí.
“Pois não foi mesmo? Um desfile como há tempos não se via!”, concordou o jovem Adalberto – o “Beto do Pandeiro” nas noites de batucada no Morro.
Seu Zeca, parando de varrer, cerra os olhos. E durante alguns segundos vê-se novamente no meio do desfile, na noite anterior. Na segunda fila da bateria, lá está ele: um sorridente mosqueteiro, cuíca na mão, preparando-se para entrar. A fantasia pesando nos ombros, mas a alma leve, leve.
O velho coração acelerando ao ritmo de sua cuíca. E quando o puxador dá o grito de guerra para o início do desfile – “Chegou a hoooora!” – a emoçāo parece não ter limite.
Bum! Bum!, anunciam os tambores, seguidos pelo som do cavaquinho. E assim um a um os instrumentos soam, dando ritmo à batida. Tum tum tum…
A voz poderosa do puxador (isso mesmo: puxador! como nos antigos carnavais…) começa a cantar o samba. E com ele toda a Escola canta o refrão: “Lá vou eu…”
E a ala da bateria inicia a caminhada, saindo da concentração.
“Foi na Corte do Rei…”
E seu Zeca canta, canta. Ao ritmo da alegria de um sonho realizado. Um sonho de menino pernambucano, pau-de-arara. A imagem da família, atravessando o sertão há quase cinqüenta anos, em busca do milagre do Cristo. De sete irmãos, três morreram pelo caminho. Bum, bum…
“Cruzando os mares…”
Passa em frente aos jurados. Ė hora de dar o melhor de si: vale dez! Tum tum tum…
A recordação da mãe, morta no oitavo parto. Do pai que, desempregado, roubou, foi preso e morreu na ponta da faca do melhor amigo, depois de dois meses cumprindo pena. E, por um breve momento, o suor no rosto do velho Zeca mistura-se a uma discreta lágrima.
“Mas os caminhos de Deus não enganam…” – Bum, bum.
A melancolia, porém, dura pouco: tão logo seu Zeca escuta os tambores, decide-se por esquecer a tristeza e voltar a sorrir. Para quê sofrimento?, conclui. Afinal de contas, aquela noite era de felicidade. Naquela noite, ele também era Rei!…
“Foi na Corte…”
Bum!…
E seu Zeca ri, ri. Os olhos fechados, escutando as vozes que ao longe diziam:
“Pobre do Seu Zeca! Morreu quando conversava comigo, varrendo a rua! De repente, fechou os olhos e começou a rodopiar, a vassoura na mão. Quando me dei conta, já havia tombado no chão, sem sentidos…”
“Coitado! seu sonho era desfilar no Carnaval, sempre me dizia…”
“Pois é! Veja como são as coisas: morreu sem realizar.”
E Seu Zeca, abrindo os olhos novamente, vê uma legião de anjos que, vestidos de mosqueteiros, preparam-se para recebê-lo.
“Cruzando os mares…”
Bum.

Edweine Loureiro

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