A Escola é um produto da sociedade e de sua cultura e, como tal, deve, da melhor maneira possível, reproduzir os meio de comunicação utilizados normalmente entre as pessoas, desenvolver conhecimentos indispensáveis à evolução da sociedade e transmitir os valores culturais. A alfabetização deve ser considerada como um modo de preparar o homem para um papel social, cívico e até econômico, ultrapassando o singelo ensino da leitura e escrita. Em uma Escola ideal, o ensinamento de todos esses aspectos culturais e sociais e intelectuais devem levar a pessoa, com liberdade de pensamento, à melhor compreensão do mundo que o rodeia, abrindo assim, um caminho para o conhecimento humano básico, indispensável à vida e à evolução.
A Escola Ideal sob o Prisma da Psicanálise
Qual a Escola Ideal segundo a análise psicanalítica? Aquela que incita o aluno a aprender aquilo que não lhe é ensinado? Aquela que ajuda o aluno a superar ou alcançar o limite de suas aptidões? Aquela que consegue manter uma relação harmoniosa entre aluno e professor? Aquela que faz brotar algo novo a cada geração, gerando e não apenas transmitindo conhecimento? Tenha disciplina para que não se criem delinqüentes mas seja liberal para proporcionar ao estudante a liberdade de decidir por ele próprio o que é certo ou não? Sim, todos esses aspectos fariam parte dessa suposta Escola Ideal; mas, haveria mais um, e, talvez, o mais importante deles: uma Escola que desenvolva um método de controlar os efeitos que a educação produzirá no inconsciente dos alunos. A importância desse método seria o fato de que, na realidade, somos controlados em parte por nosso inconsciente, é ele quem realmente “manda” na pessoa, como sugerem os atos falhos. Neles, realmente demonstramos o que gostaríamos de estar fazendo. Atualmente, o que vemos é uma educação dirigida à consciência, já que é por ela que somos conduzidos a uma determinada direção. Outra mudança proposta dentro da mentalidade da Escola é em relação à repressão imposta aos alunos. Por que a Escola foi sempre tão repressora? Ora, para evitar que a juventude mude por completo um sistema que seus ascendentes imediatamente superiores lutaram tanto para colocar em prática. Na imaginária Escola Ideal, não haveria tal repressão de atitudes ou pensamentos, possibilitando radicais mudanças, o que, de certa forma seria o natural.
O Professor no Contexto da Escola Ideal
O Educador, segundo Freud 1, é aquele que “deve buscar, para seu educando, o justo equilíbrio entre o prazer individual do aluno e as necessidades sociais”. São muito importantes as relações professor-aluno, visto que são elas que estabelecem as condições para aprender, não importando os conteúdos. Para uma perfeita harmonia entre o professor na Escola com aquilo que deve ser transmitido ao aluno, encontrarmos uma barreira: o professor deseja impor seu próprio desejo, sobrepondo sua autoridade ao aluno, dessa forma, poderá aprender conteúdos, gravar informações, espelhar fielmente o conhecimento do professor, mas não sairá desta relação como ser pensante. Em uma Escola Ideal, o professor deveria deixar de lado seu próprio desejo inconsciente, tornar-se uma pessoa esvaziada, mas isto parece praticamente impossível, já que é justamente este desejo que o impulsiona para a função de mestre.
A Importância do Ambiente
O ambiente de estudo deve possuir as dimensões adequadas (espaços amplos), materiais de trabalho e classes organizadas, número de pessoas limitado (cerca de 20 a 30 alunos), deve haver segurança, uma temperatura regularmente amena, luminosidade e higiene. Condições lógicas e básicas que deveriam existir em qualquer escola para proporcionar o máximo de aproveitamento por parte dos alunos. Deve haver possibilidade de movimento e até mesmo preocupação com as cores das paredes, que devem ser, de preferência, claras (para manter a atenção do aluno na aula). Seguindo estes princípios elementares, certamente o estudo renderá mais.
Um Porquê para a Necessidade de Crianças Diferentes em uma Classe
Às vezes pensa-se, e até se acha lógico que haveria um maior rendimento por parte dos alunos se todos fossem do mesmo nível social, raça, idade e até mesmo grau de deficiência física. Mas, ao contrário do que se pensa, as diferenças entre alunos da mesma classe são benéficas, já que dessa forma ocorre um contraste de conhecimentos e atitudes, o que permite ao nosso cérebro analisar as diferenças e dessa forma somar um ponto ao desenvolvimento, tanto social quanto intelectual. No momento em que se adere a um projeto em grupo onde os participantes são de diferentes tipos, e cada um participa ativamente de seu desenvolvimento, cada qual dele se beneficia, ou seja, encontra meios para seu próprio desenvolvimento. O que importa é que cada um tenha possibilidade de expressar-se e afirmar sua originalidade. Isto será tanto mais fácil quanto mais diferentes forem as pessoas e quanto mais forem os papéis percebidos como complementares. Um grupo composto de indivíduos diferentes é sempre mais dinâmico e imaginativo do que um grupo com indivíduos mais ou menos semelhantes.
Idéias para um Melhor Aprendizado
Quais atividades deve-se propor à criança para que ela integre determinada noção ou conhecimento? Uma idéia proposta por Judith S. Engel ² demonstra a possibilidade de questionamento dos estudantes pelos seus próprios colegas ao invés do professor, como acontece usualmente. Dessa forma eles poderiam desenvolver a habilidade do pensamento crítico, imaginação, melhorar os conceitos do estudante e trazer boas relações sociais na classe. A teoria se baseia no fato de que estudantes, sendo parte da ação, no momento em que questionam seus colegas e são também questionados, eles tornam-se mais atentos à lição. Os estudantes são encorajados a escutar e aprender com seus melhores amigos. Essa é com certeza uma maneira criativa e muito útil, já que, assim, todos estudantes estarão aprendendo ao mesmo tempo e compartilhando seu conhecimento com seus colegas. Outra idéia do mesmo livro ², desta vez proposta por Robert J. Lacklen, propõe que os questionamentos devem ser a base do processo educacional, ao invés do estudo dos fatos – base atual do ensino. Pesquisas têm demonstrado que inquisições por parte dos alunos resultam em um aprendizado real muito maior do que oferece o atual sistema. Desenvolve-se assim o potencial íntimo, inerente de cada um. Além disso, deve ser dada mais ênfase na aquisição de habilidades necessárias em ocupações como leitura, escrita e matemática, que ajudam no desenvolvimento primário e, no caso da matemática, estimula o raciocínio lógico. Como motivar a criança para que se interesse pela atividade, para que mantenha sua atenção? Bem, na Escola Ideal, alternar-se-iam os tipos de ensino. Por exemplo: aulas teóricas e discussões sobre o assunto (no caso de jovens) ou brincadeiras (no caso de crianças) seriam dados na mesma aula, intercalados: – Crianças: 10 minutos de aula teórica, 20 minutos de brincadeira, 10 minutos de aula teórica, 10 minutos de brincadeira – Adolescentes: 15 minutos de aula teórica, 20 minutos de discussão, 15 minutos de aula teórica – “Adultos”: 20 minutos de aula teórica, 10 minutos de discussão, 20 minutos de aula teórica Pelo visto, muito diferentemente do que temos hoje: aulas apenas teóricas e aulas especiais para discussões (tendo como exemplo o ensino secundarista). Outra sugestão seria o aperfeiçoamento dos programas, após estudos detalhados por pessoas da área. Em meu modo de ver, as atuais orientações de estudos não estão de acordo com as determinadas idades nem cumprem ao menos parcialmente os objetivos da Escola Ideal. Para afirmar isto, baseio-me no fato de que há muito não é feita uma revisão profunda dos programas escolares (cerca de 45 anos) e que há muito nossa sociedade se modificou e novos anseios devem ser preenchidos. A necessidade da computação nos dias atuais é visível. É importante também o desenvolvimento de dons artísticos, como música, pintura ou escultura (lembrando Howard Gardner e sua Teoria das Inteligências Múltiplas ³). Deve-se perceber a importância dos programas, como maneira de organizar o aprendizado, mas não se deve ser rígido quanto ao seguimento destes, cabendo ao professor e aos alunos decidir qual o melhor caminho a seguir.
Para Finalizar
Assim, fundamentada em uma relação professor aluno em que o professor permita ao aluno expor suas idéias livremente, em um ambiente de estudo saudável, com um método de ensino dirigido também para o inconsciente, formada por alunos de diferentes tipos de características e personalidades, encontraremos um protótipo muito próximo da Escola Ideal. A abertura de oportunidades de relações autênticas, humanizadoras, não depende somente de métodos pedagógicos sofisticados, da denúncia de ideologias embutidas nos conteúdos escolares, da grita por instituições mais livres e menos arcaicas. O que se deseja é sugerir aos pedagogos que não se preocupem tanto com os métodos que muitas vezes constituem tentativas de inculcar a todo custo, um conhecimento supervalorizado pelos professores. O encontro entre o que foi ensinado e a subjetividade de cada um é que torna possível o pensamento renovado, a criação, a geração de novos conhecimentos. Esse mundo desejante, que habita diferentemente cada um de nós, estará sendo preservado cada vez que um professor se dispuser a desocupar o lugar de poder em que o aluno o coloca necessariamente no início de uma relação pedagógica, sabendo que, se for atacado, nem por isso deverá reprimir tais manifestações agressivas. Ao contrário, saberá que estão em jogo forças que ele não conhece em profundidade, mas que são muito importantes para a superação do professor como figura de autoridade e indispensáveis para o surgimento do aluno como ser pensante. Matar o mestre para tornar-se o mestre de si mesmo. Ao professor, guiado por seu desejo, cabe o esforço imenso de organizar, articular, tornar lógico seu campo de conhecimento e transmiti-lo a seus alunos. A cada aluno cabe desarticular, retalhar, ingerir e digerir aqueles elementos transmitidos pelo professor, que se engancham em seu desejo, que fazem sentido para ele e o professor, que encontram eco nas profundezas de sua existência de sujeito do inconsciente.
Referências Bibliográficas
1. Kupfer, MC – Freud e a Educação – O mestre do impossível – Série Pensamento e Ação no Magistério número 14 – Editora Scipione
2. Seventh World Conference on Gifted and Talent Children – 1990 – Expanding Awareness of Creative Potentials Worldwide – Brain Talent-Powers Press
3. Gardner H – Estruturas da Mente – 1994 – Artes Médicas
Esse texto foi escrito em 1994 como trabalho de conclusão de uma cadeira da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul denominada “Desenvolvimento da Criança e do Adolescente”, ministrada pelo Departamento de Psiquiatria da referida Faculdade. Apesar de bastante superficial, traz alguns aspectos psicopedagógicos que devem ser discutidos frente aos novos conceitos da área, incluindo a teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner, que serão discutidas em uma edição vindoura do Simplicíssimo.
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