Simplicíssimo

Conversando com a Sra Morte

Como vai a Vida?

R. Muito interessante essa sua pergunta. (risos) Agora fiquei na dúvida se você sabe algo sobre a Vida. Mas vamos lá. Muitas pessoas não se deram conta, mas eu e a Vida somos irmãs gêmeas! (pausa) Tá, temos características diferentes, mas temos também uma grande ligação. (pausa) Devo confessar que eu não existo sem a Vida, sou mais dependente dela, do que ela de mim. Mas sabe, a Vida muitas vezes é desprezada por algumas pessoas, e nessas horas procuro estar presente. Não são raras as situações em que a Vida se fortalece quando a minha presença é anunciada. Também ocorre dessas pessoas estarem tão enfraquecidas que eu não me agüento: acabo tomando conta da situação.

P. Por que geralmente associam você a uma pessoa magra, de preto?

R. (hmmm) Minha vez de lhe perguntar: por que você me chama de ´Sra Morte´? Por que você pensa que eu sou uma mulher fashion, magrinha, num pretinho básico? (pausa) A resposta é simples, é porque você me vê assim. Na real, eu não tenho um visual estabelecido. A Vida, minha irmã, também é assim. Adquirimos a forma conforme o olhar de quem nos vê. Eu posso ser belíssima, como também aterrorizante! (risos) Essa é uma escolha e sentimento seu. Tem gente que nem quer ouvir falar de mim, já sai direto fazendo o sinal da cruz. (risos) Eu acho graça nisso. Já você está se dispondo a conversar comigo. Fico feliz, pois assim já estabelecemos um contato. No final das contas sabemos que mais cedo ou mais tarde seremos grandes amigas.

P. Você diz que sua imagem é conforme os olhos de quem lhe vê. Conte para nós, no geral, como as pessoas têm lhe visto?

R. Querida, são tantas pessoas! Entre outros fatores, os conceitos variam muito de pessoa para pessoa, variam em função de determinadas religiões e da cultura de certos paises. No México e no Japão, por exemplo, eles me adoram! Quer dizer, eu sou o motivo da festa, mas a grande homenageada acaba sendo a minha irmã, a Vida. Tudo bem, mesmo assim admiro o jeito como eles me vêem. Já no Ocidente, em especial nas cidades pequenas, do interior, o pessoal costuma me receber estando todos reunidos em família. É bom também, mas tem um porém: só posso entrar quando a Vida sair. Ainda no Ocidente, o pessoal costuma solicitar muito a minha presença sabe onde? Nos hospitais. Eu não aprecio muito, pois nos ambientes que permitem a minha entrada, geralmente são impregnados de tristeza, vejo pessoas chorando, preocupadas, isoladas, abandonadas e algumas até desesperadas. Mas, fazer o que né? Quando me chamam eu apareço sim. Essa é a minha missão! Que dizer… às vezes apareço também sem me chamarem, mas no fundo tenho motivos, só não posso revelar pois são mistérios que ficam bem guardados com a Vida. (risos) Ah! Muitas pessoas costumam me associar com flores, incenso e cemitérios. Flores e incenso eu gosto, tem um cheirinho bom, né? Mas os cemitérios… não é a toa que rimam com mistérios. (risos) São locais estranhos onde muitas pessoas teimam em abandonar a minha irmã, a Vida, ou registrar que ela andou passando por ali. Acho estranho isso. A Vida é completamente independente, não costuma se apegar a pessoas e lugares. Ela adora sim ser lembrada em livros, filmes, você sabe, obras de uma forma geral. Vejo com certa freqüência ela presente também na memória e no coração de muita gente por aí! Bacana isso!

P. Você é uma figurinha polêmica, não? Algumas pessoas te consideram injusta, outras têm grande dificuldade de te aceitar, outras têm medo, outras te veneram…

R. Preciso ser sincera. Muitas vezes eu chego sem avisar e é claro que acabo assustando muita gente assim. Esse meu jeito maluquinho deixa algumas pessoas desesperadas. Não faço por mal, viu? Acontece. Eu não tenho muito controle sobre isso. A Vida me chama e pronto, eu vou ao encontro. Sou muito séria e profissional, viu? Brincalhona mesmo é a Vida, às vezes ela avisa para as pessoas que eu estou chegando, ou dá sinais para que a criatura se toque, mas às vezes ela não avisa… Outro probleminha que tenho com as pessoas é no fato de elas terem dificuldade de me aceitar associada com os jovens. Mas… (pausa) como eu já disse, são mistérios da Vida, minha irmã. Eu sou totalmente imparcial quanto ao tipo de criatura a quem devo me apresentar. Não questiono espécime, raça, nacionalidade, idade, sexo, classe social, caráter, etc.

P. Tem alguma coisa que te deixa ´P com a Vida´?

R. Não, não tenho problema com a Vida, mesmo porque ela é a minha irmãzinha, né? Agora, se tem coisa que eu considero feio, violência mesmo, são aquelas circunstâncias em que certas pessoas, que estão em companhia da Vida fazem questão, mas exigem mesmo a minha presença. Assim eu não gosto! Mas fazer o que, quando sou chamada não tenho como evitar, é a minha missão. Também não aprecio as pessoas que não dão valor a Vida quando ela está na companhia de outros, isto é, me chamam para retirar a Vida de lá, dos outros. Que gente metida! Ah! Outra coisa que me desaponta são aquelas pessoas que, sei lá, de repente por conta até da presença da minha prima, a Doença, acabam me interiorizando, como se diz por ai ´está morta por dentro´. Nesses casos, às vezes dou um sustinho para ver se a pessoa se liga que quem está mesmo com ela é a Vida e não eu. (pausa) Tá, vou confessar uma coisa: às vezes lamento que as pessoas façam tanta festa com a chegada da minha irmã, a Vida, enquanto para mim fica a dor, as lágrimas, a revolta. Tem mais, ainda tenho que compreender as pessoas que estão querendo cada vez mais a presença da Vida e procuram me evitar a todo pano. A minha tia, a Ciência, é uma das mais entusiastas nesse assunto.

P. Você tem algo mais para nos dizer?

R. Olha, queria deixar uma sugestão para o pessoal: procurem me ver com bons olhos. Eu juro, eu sou do bem! Por favor, não sejam preconceituosos comigo, tipo se afastando das pessoas com as quais vocês percebem que eu estou me aproximando. Isso sim é triste e chama-se abandono. Tem um digníssimo brasileiro – com que já tive o grande prazer de conversar por horas e horas (risos)que já lhes disse que ´viver é uma dádiva fatal, no fim das contas ninguém sai vivo daqui, mas… vamos com calma!´. Em sua sabedoria, ele cantou para legiões que ´é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, pois se vc parar para pensar, na verdade não há.´ Faço dele as minhas palavras.

Carla Schneider

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