Simplicíssimo

NO CENTER DO SHOPPING

Meus irmãos, as negociações da venda da fazenda para a construção do shopping entraram num impasse sem solução à vista. Ainda que a gente tenha metade da propriedade, o pai é dono dos outros 50%, e pra complicar ele ainda tem o usufruto da casa-sede.

O velho continua batendo o pé dizendo que não sai da casa de jeito nenhum, mesmo que tenha que desviar da fila do Mc Donald’s pra tirar leite das vacas.
Tentei argumentar dizendo que ele não iria aguentar a muvuca, o trânsito de carros pra cima e pra baixo, o barulho… O pai me respondeu aos berros, falando que o bisa, o vô, ele, nós e os nossos filhos nascemos todos naquela casa – e que ele, pelo menos, só saía de lá pro campo santo. Bateu a porta e se trancou no escritório, onde nos últimos tempos passa horas lustrando a cartucheira.
E o pior é que não tem jeito. Dentro da fazenda, a topografia ideal pra construir o shopping é bem na área onde está a casa. Além disso, mesmo se houvesse outro ponto pra fazer a obra, não daria visibilidade pra quem passa na estrada. O restante das terras seria pra construir estacionamento, depósitos, espaço para eventos, tratamento de esgoto, essas coisas.
Só que agora tem um fato novo: o pessoal da empreiteira parece que é tão louco quanto o velho e sugeriu deixar a casa onde está, construindo o shopping ao redor dela. Ele se chamaria “Casa Grande Supercenter” e a vivenda no centro dele seria apresentada à imprensa e aos lojistas como uma espécie de construção histórica preservada pela administração do empreendimento. Segundo os caras, isso daria um ganho de imagem, como se o shopping tivesse respeito pela cultura e pela tradição local – o que seria positivo perante a opinião pública. Ou seja, eles literalmente contornam o problema e ainda ficam de “bonzinhos” na história toda.
Só que não dá pra imaginar o pai morando lá e a cidade inteira passeando e fazendo compra em torno dele. Como é que ia ficar a privacidade do velho? A gente ia ter que tirar ele da casa de qualquer forma. Uma alternativa é deixar a coisa acontecer e esperar ele mesmo mudar de ideia, quando o shopping começar a funcionar. Provavelmente o povo lá da empreiteira trabalha com a possibilidade de vencer o velho pelo cansaço, depois que o monstrengo abrir as portas.
Agora, a questão financeira: se por acaso a gente ainda conseguir convencer o pai a sair e deixar os caras derrubarem a casa, eles pagam 150 reais por metro quadrado da fazenda. Multiipliquem isso por cinquenta e dois alqueires, sendo que cada alqueire tem 24.000 metros. Vamos ficar todos milionários! Porém, se a casa e o velho ficarem, o máximo que eles pagam é 10 reais o metro.
Pergunto a vocês, meus irmãos: como é que saímos dessa? Acho que se a gente pedir 1000 reais por metro, os caras pagam – contanto, claro, que possam colocar a casa abaixo. Pensei em dopar o velho, misturando alguma merda no suco de graviola. Quando ele acordar no hospital, a gente diz que caiu um avião ou que jogaram uma bomba em cima da casa. O problema é que o pai não é bobo, ele vai ligar os fatos e pode querer descarregar a cartucheira em cima do pessoal da construtora… alguém tem ideia melhor?
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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
Blogs:
www.consoantesreticentes.blogspot.com (contos e crônicas)
www.letraeme.blogspot.com (portfólio)
Email: msguassabia@yahoo.com.br

Marcelo Sguassabia

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