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Eduardo Bueno: apropriação ou disseminação do conhecimento histórico?

Apesar de muitos historiadores torcerem o nariz para o jornalista Eduardo Bueno, eu tenho aprendido a respeitá-lo muito, especialmente neste último ano, em que cursei meus primeiros dois semestres do curso de História. Apesar do tremendo clichê, um cara que consegue fazer com que a História pareça menos chata ao público não "iniciado", vendendo dezenas de milhares de livros que versam, basicamente, sobre História do Brasil e Ibérica, só pode merecer todo o meu respeito e admiração.

Durante muitos anos, acreditou-se que as pessoas não gostavam de História simplesmente porque não consumiam a produção dos historiadores de fato, isto é, os acadêmicos. Contudo, nos últimos anos, temos visto uma explosão editorial de publicações que abordam a história sobre os mais diferentes pontos de vista. Tal explosão põe em cheque a antiga crença de que o público brasileiro não gosta de História. Hoje, se passarmos em uma banca de jornal razoavelmente abastecida, veremos um sem-número de publicações cujo tema central é História. Mais do que isso, veremos que tais publicações conseguiram obter relativo sucesso editorial, tendo, a maioria, publicado mais de 24 edições, ou seja, dois anos. Há desde uma revista publicada pela Biblioteca Nacional, que é escrita por historiadores acadêmicos e pesquisadores do seu acervo, a revistas de grandes editoras que acabam abrindo espaço para que os leitores enviem seus textos para seleção do conselho editorial da revista. Há também revistas temáticas sobre guerras, revistas de História em espanhol e, até mesmo, em inglês. Enfim, parece que a História realmente caiu nas graças do povo de tal forma que, a pergunta a se fazer aqui é, até que ponto se pode dizer que o povo não gostava de História? Será que o problema não estava na narrativa dos antigos historiadores que não conseguiam atrair o público para os resultados de suas pesquisas?

A resposta se obtém com uma rápida análise do sucesso obtido pelas obras de Eduardo Bueno junto ao público não especializado, além das suas incríveis estatísticas de vendas. Raros são os historiadores que conseguem chamar tanta atenção aos seus trabalhos, tal qual Bueno vem fazendo com suas obras nos últimos dez anos. Recentemente estive lendo alguns de seus livros, em especial, um sobre o pau-brasil, publicado em 2002 pela Axis Mundi. Fiquei deveras impressionado com a qualidade editorial e de conteúdo do livro. Historiadores que o criticam por se apropriar das pesquisas dos outros e não partir para pesquisa de campo, talvez precisem rever suas posições. Pau-brasil é um livro bem pesquisado que propõem, dentre outras, uma hipótese bastante instigante quanto aos primeiros anos da exploração do pau-brasil nas costas brasileiras, sugerindo, por exemplo, um pré-descobrimento do Brasil pelos mesmos portugueses, tendo como base pesquisas sobre documentação relativa a exploração dessas árvores nos primeiros anos do século XVI e uma lógica clara que questiona como os portugueses, que jamais haviam visto as árvores de pau-brasil na vida, a reconheceram rapidamente no meio da exuberante mata atlântica em questão de uma semana, já levando exemplares da madeira na primeira naveta que retornou a Portugal logo após o descobrimento, a 02 de maio de 1500.

Enfim, quero neste espaço chamar atenção para o fato de que alguns historiadores se sentem enciumados ao verem um jornalista tomar o espaço e ganhar o respeito da comunidade por exercer uma atividade que, na cabeça deles, cabe exclusivamente a um historiador, mesmo que este não tenha a menor aptidão de se conectar com seu público através do seu texto.

Como estudante de História, minha modesta opinião é que nós, historiadores e futuros historiadores, devíamos deixar um pouco de lado este ranço que sinto existir contra os jornalistas, e passarmos a nos preocupar um pouco mais com a narrativa de nossos trabalhos, uma vez que, o espaço que está sendo aberto no mercado editorial deve-se, em boa parte, justamente a esses jornalistas que tornaram a História algo um pouco mais palatável ao público não especializado. Na verdade, deveríamos era levantar as mãos para o céu e aproveitar essa abertura do mercado para as produções da área de História, pois esta é uma rara oportunidade, não só de publicarmos nossos trabalhos, mas também de divulgarmos o conhecimento histórico a um público que, durante muitos anos, foi considerado inculto e desinteressado por nós mesmos. É justamente a chance que temos de cevar e cativar este público, e de ajudarmos a reverter o atual quadro do descaso cultural, levando um pouco mais de conhecimento a esse povo tão carente, que vive do consumo do lixo cultural enlatado, empurrado pela TV aberta através de suas novelas, reality shows e programas de auditório.

Roger Beier

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