Simplicíssimo

Linha 4111

Viro a rua e tenho um quarteirão e meio para percorrer até chegar ao ponto de ônibus. Dou uma pescoçada e vejo que meu ônibus está parado no ponto…Ai, caramba, dará tempo??? Vejo que existe uma multidão querendo entrar no ônibus, ainda enxergo bem, mesmo que embaçado. Vou para o meio da rua, pois há trânsito intenso na calçada, não adiantaria nem tentar. Vou correndo com o meu chinelinho, sem correr demais para não ser atropelada por um carro ou levar um capote na rua e realmente perder o ônibus. Tudo certo, consigo fazer sinal razoavelmente perto para que o motorista perceba que quero tomar o ônibus depois que o último passageiro já entrou…

Entro sem ar algum, o micro-ônibus está realmente abafado e abarrotado…Mas, chegarei cedo em casa…Ufa!!!

Um tiozinho não consegue passar a catraca…Percebo que está bêbado e resolvo ajudar. "Não passou, senhor." Ele tenta de novo, sem olhar…"É aqui" e aponto com o guarda-chuva a bolinha cinza que dá acesso ao outro lado da catraca. "Funcionou." "Obrigado."

Eu ainda estava suando e com respiração ofegante (sedentária, fumante, balzaca) quando consegui ir para trás. Tudo que eu queria era um lugarzinho para sentar, mas sabia que teria que esperar chegar ao Cambuci para conquistar meu lugar ao sol…Olho para o lado e um banco vazio…A menina que estava próxima não se moveu. Olhei a pessoa que estava sentada e era o pobre velhinho bêbado. "Ah, que povo chato, vou sentar e mostrar que sou superior, sem preconceitos." Bom, o senhor não estava muito cheiroso, mas dava para aguentar, a rua fede mais em muitos lugares do centro, por exemplo. O velho começa a se mexer. Vai para frente e para trás, faz umas caras. "Ai, caramba, ele vai vomitar!!!!". "O senhor está bem?". Faz positivo com a cabeça. Olho para o ônibus e as pessoas me olham com uma cara de que vou me ferrar…Uma senhora bonachona, com simpatia, abre um sorriso para mim e faz uma cara de que o senhor está mal. Mexo a boca para ela "Será que ele vai vomitar?" Só penso nisso,. Não suportaria um vômito do meu lado, respingando em mim, seria inevitável. Não me contenho: "O senhor vai passar mal??". "Ah, com certeza." "O senhor quer vomitar?" Ele olha em meus olhos e diz que não com a cabeça, mas com um olhar convicto. "A cabeça dói.". "É, nessas horas dói.". Fico tranquila, senti confiança em sua resposta, no mais, aguentaria qualquer coisa… "Você está preocupada?". "Agora que o senhor me disse que não vai vomitar, não."

Porém, tudo que é bom dura pouco, o bêbado começa a me encarar. "Ai, vai querer me bater!!" Olho para ele e dou um sorrisinho, quem sabe ele me acha simpática…Quando olho de novo, ele me dá uma piscadinha e me olha com aquela cara de desejo…Mas, logo cai em si e demonstra sentir vergonha. Sinto pena. Poxa, não está mal arrumado, cheira forte, mas pode ser por causa do calor do dia todo, é um senhor negro, mas uma cara muito boa. Deve ter mais de 65 anos, pois o cartão do ônibus é igual ao dos idosos. Volta a me olhar e me sinto mal e, com muita vergonha, resolvo levantar. Sou salva por um homem que passa a catraca correndo para sentar naquela poltrona que não quer ser usada por ninguém. O senhor continua me olhando. Me sinto envergonhada por não ter conseguido ir sentada ao lado dele.

Não muito longe, consigo me sentar no banco de trás. Coloco o walkman no ouvido e começo a viajar…Como só um lado do fone funciona, ouvi quando o senhor falou para o homem, algum tempo depois de ter perguntado se o ônibus passava por algum lugar, que havia um lugar vazio, para ele se sentar lá. Mas, o homem se manteve ao seu lado, digno em sua atitude.

Chegamos no ponto final. Desci e fui à padaria…Padaria de bairro, conheço todo mundo, há anos…Vi quando o senhor dá um cartão para o caixa e ele fala que não aceita Visa. O senhor tira uma nota de R$ 5,00 e paga pela latinha de Skol. "Pode ser Brahma?"…

Acabo me entretendo na conversa com o caixa e esqueço de dar mais uma olhadinho no senhor, qual rumo ele tomou…Não sei se ele estava dentro da padaria, pois outro evento ficou na memória ao deixar o local.

Só ao deitar, lembrei do senhor. No ônibus, ele me perguntou se o ônibus passava pela Anhembi Morumbi e falei que não, que aquele ônibus ia para outro lugar, não passaria nem perto, mas não prestou atenção. Fiquei triste e, sim, preocupada. O que aconteceria com ele, andando por aí de ônibus, bêbado, sem ter muito noção das coisas. Estava com documentos, mas com dinheiro também, e as pessoas são más. Fico pensando na família ou na ausência dela. Queria ter tido um pouco mais de atenção com ele.

Lara Pastore

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