Simplicíssimo

Era uma vez, há muito tempo, mas há tanto tempo que a própria palavra tempo era destituída de qualquer significado, existiam cidades cuja população era composta por toda sorte de gente, gente de todos os tipos e cores, de todas as alturas e de todos os tamanhos (alto, baixo, gordo, magro, gigantes, anões…), gente com todo tipo de aspecto, sentimentos e disposição de caráter, gente com todo tipo de gosto e para todos os gostos, enfim, uma mistura variada e surpreendente, que, embora em menor quantidade espalhada sobre a face da terra, em nada diferia das que vivem nos dias de hoje.

Entretanto, apesar da grande diversidade de pessoas, havia um homem que vagava, errante, pelos quatro cantos do mundo, indo de cidade em cidade, pois se sentia extremamente só… e tão só se sentia este homem que buscava, buscava e buscava… não sabia muito bem o quê, somente que buscava alguma coisa e, nessa situação desequilibrada, causada pelo anseio de encontrar e dar um significado à própria busca, justificando assim a sua existência, se acomodou; comodamente só, mesmo estando entre, e, ao lado, de tantos outros tão buscadores quanto ele.

Todavia, certa feita, numa dessas curvas do caminho, encostou-se a uma pedra que não percebera estar quebrada e esta então lhe rasgou a pele, abrindo-lhe uma ferida. Primeiramente ele pensou que esta ferida era somente uma conseqüência advinda das dificuldades impostas pelo caminho que havia escolhido e, por algum motivo, que mais tarde se esclareceria, a ferida estava ali. Então, seguro de que um dia entenderia, outra vez se acomodou. Porém, tão só este homem se sentia que começou a acreditar que a ferida poderia ser uma solução, um remédio a sua solidão e assim pensando fez-se amigo de sua ferida.

Mas, com o tempo, a ferida principiou a desaparecer, já que havia se cumprido o seu ciclo reparador. O homem, ao ver que sua amiga o abandonava, se desesperava e, outra vez tornava a abri-la somente para não se sentir só.

No começo, usava um pedaço de madeira para se coçar; logo depois, um bico de pássaro morto e, a continuidade, seus próprios dentes. O homem sangrava e desse modo, não deixava a ferida se fechar, pois, em sua companhia, não se sentia tão só como antes.

Um dia, cansada de tentar em vão cumprir o seu ciclo determinado, a ferida, que era muito sábia, disse para o homem: “Escute-me… estou contigo há um longo tempo, mas, agora, preciso ir, preciso desaparecer. Conheço bem o teu desespero e a tua solidão; sei o quanto te sentes só e sei também que encontraste em mim uma companhia e, por isso, até o momento, tenho sido bastante tolerante para contigo, mas, para o bem de nós dois, chegou a hora de nos separarmos. Se continuares a manter-me aberta, sem fazer absolutamente nada, impedindo inclusive a passagem do tempo para que o mesmo me cure, começarei a crescer, e, pouco a pouco, tomarei todo o teu corpo, e sem dúvida, te matarei. Porém, se fizeres o que é natural de se fazer, isto é, se fores capaz de me lavares com cuidado, para que não deixe nenhuma cicatriz, permitindo que eu siga em meu caminho, distanciando-me de ti, aí, então, estarás agindo sabiamente e estarás, acima de tudo, te fazendo um favor ao transformar-te em um homem novo, pois, aquele que soube curar sua ferida, soube cuidar-se; soube entender-se, soube amar-se e um homem assim, que soube fazer tudo isso a si mesmo, certamente, jamais, nunca, estará só”.

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NOTA: http://786cuentos.iespana.es do conto EL HOMBRE QUE SE SENTIA SOLO; Tradução e adaptação; Virginia Allan

Virgínia Allan

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