Simplicíssimo

Do Desejo.

 

 

Não preciso de grandes coisas para ser feliz. Não preciso nem mesmo de ser feliz. A felicidade é um erro; um erro que nos faz acomodar, e pior ainda: nos faz crer num futuro incerto e nebuloso; inexistente, tal qual o Paraíso judaico-cristão no qual crescemos acreditando existir de fato.

Para me sentir feliz, preciso desconstruir o conceito de felicidade.

 

 

 


Devo me acostumar ao incômodo de estar vivo, existente, "sendo-no-mundo", respirando, ocupando espaço, incomodando e sendo incomodado constantemente pelo o outro. É necessário desacreditar do estado "ser feliz". Essa é o maior de todos os erros do homem. Todos querem ser felizes simplesmente porque nunca alcançam tal estado plenamente. Sempre há a falta, a ausência.

 

 

 


O desejo, a busca, o caminho é o segredo de tudo. Nos acostumamos àquilo que temos. Sartre diz que "O importante não é se fazer o que se gosta, mas gostar do que se faz”. E isso é tudo. Resume toda a desconstrução do conceito de felicidade metafísica e inatingível que nos permeia ao longo da vida, ainda que inconscientemente, se assim permitimos.

 


Querer é sentir-se feliz. Só aquilo que é vivo é capaz de desejar e por isso mesmo sofrer e buscar. As coisas mais simples são sempre as que trazem maior satisfação. Comer quando se tem sono, dormir quando se está fatigado. Isso se aplica também ao espírito, no sentido de que a busca por suprir as necessidades de seus apelos é justamente a grande satisfação da alma.

 

 

Talvez a conquista imediata daquilo que se quer seja acompanhada de uma frustração imensa posteriormente. E é no fato de nos sentir novamente insatisfeitos, ignorantes, perdidos e fracos, é que reside nossa maior "felicidade" – renova-se os desejos e se renasce para outros horizontes antes inexplorados; entre eles, muitas vezes, o retorno ao que foi deixado outrora…

 

 

É na busca, na luta e na incerteza, na aceitação da efemeridade e inquietude humana que se encontra o grande mistério da vida; a sua falta de plenitude, a insatisfação quase infinita, o vazio quase absoluto, a necessidade de esgotar possibilidades. Necessidade esta que nunca será suprida completamente até o fim de nossas existências… 
 
 Só a memória pode trazer a nossa "felicidade" completa. O que ela mostra já está morto, editado propositalmente. Inerte. O presente é só um rascunho sendo escrito com garranchos, – apressados ou não…- é a cena que deve ser mostrada agora, sem ensaios e com possíveis imprevistos. O que a memória nos traz é uma bela imagem…, Uma cena de cinema, o livro reescrito pelas nossas fraquezas em admitir a verdade do que já se foi. Linhas apagadas, rasuras e perdas de sentido.
 
 Aquilo que possuímos no presente momento, areia escapando entre os vãos de nossos dedos…, é apenas a possibilidade de uma cena bem feita. É num palco, – ao vivo – sem cortes, com todos os riscos que se têm direito. Um palco sem aplausos, aonde o único público somos nós mesmos e nossas incertezas sobre a força que julgamos ter diante de nossas quedas e vontades… Para renascermos depois em novos desejos.

 

 

Raquel A. Drummond

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