Simplicíssimo

Juramento

Quando pedi que tu dissesses que me amavas, foi apenas porque teu corpo
estava por demais mesclado ao meu, e porque tua alma jazia distante,
fugidia, inerte. Tinhas a pele quente, os músculos tensos; mas teus gestos
eram frios, teu olhar ausente e tua ausência predominante.

Tive ódio de ti, e deverias saber que meu ódio é silencioso. Quando o
pronuncio, bradando com fúria aquilo que não sinto, ao menos contigo, digo
sempre o contrário. E quando após longo silêncio e a verdade inexprimível do
momento, eu o pronuncio, ele deixa de ser ódio, para fazer-se, do mundo
inteiro, a maior de todas as tristezas.

Odiei a ti porque eu amava e tu nada sentias. Conseguias distanciar bem teu
peito de teus sentimentos, enquanto os meus…, eu os fazia carne. Dolorida,
fatigada, insaciada e latejante, que tu sequer percebias sensível e
vulnerável a teus movimentos e ensejos.
E o que tomavas de mim era então meus próprios sentimentos.

Tens sempre os olhos fechados e silêncio contigo. És o bom amigo do tempo e
da saudade.
Quanto a mim me resta ser a eterna irmã destes, em suas melancolias
absurdas.

Pedi que me amasses diante de tuas dúvidas e contra minhas tristes certezas.
Mas não foste capaz deste ato de coragem, essa ousadia, que é o amor. E foi
então que me senti carne nua sobre uma cama desconhecida, e teu amor, se ele
existisse, haveria de vestir-me de calor e abrigo. Tive ódio de ti porque
despias meu corpo, mas recusavas minha entrega absoluta. Porque o revelavas
ao teu mundo particular, à tua realidade própria, todos os meus desejos e
toda a minha fraqueza. Tive ódio de ti porque tive vergonha de mim; porque
eras, de minhas fraquezas, a maior delas.

Quis roubar-lhe a essência, teu suspiro ínfimo do ser-que-sente, residente
nestes teus malditos olhos cerrados, mas tu não sabias onde a encontrar
dentro de ti próprio. Meus gritos ecoavam no vazio silencioso – minha dor
maior – que estava refletido em teus olhos…

E por isso jurei, a despeito de meus apelos e impulsos, que nunca mais havia
de beber vodca, de dançar contigo e ter os pés descalços. E que nunca mais
hás de deixar-me em casa, posto que meu corpo será a ausência infinda em que
insistes em me transformar, quando me amas a carne, apenas, no silêncio
absoluto que te ensurdeceu diante do meu pranto, e da tua falta.

Raquel A. Drummond

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