Eram sempre graúdas, doces, se possível geladinhas. Tenras maçãs desde tenra idade.
– Incrível, Steve. Você nunca esquece. Um dia sem suas maçãs na minha mesa e meu ânimo não seria mais o mesmo. Mal devoro uma e já fico à espera da atualização.
– Que bom, professora. Acredito que toda pessoa precisa deixar sua marca no mundo, de alguma forma. Visível, presente. Garanto que esse pequeno gesto fará com que a senhora jamais esqueça de mim, ainda que a partir do semestre que vem nós nunca mais nos vejamos na vida.
– Você parece tão adulto e assertivo. Às vezes você me assusta, garoto. Mas é ao mesmo tempo tão infantil a ponto de não fazer nunca a lição de casa, e sinto que você faz isso – ou não faz isso – de caso pensado.
– Resposta certa, teacher. É que o caderno branco me parece perfeito. Gosto do branco, da coisa clean.
– Percebo que, enquanto estou lá na frente explicando a matéria, muitas vezes você fica o tempo todo olhando para as janelas…
– A professora não pode imaginar as ideias que elas já me deram. Mas prefiro não abrir minha boca, sob pena do Bill estar ouvindo atrás da porta e amanhã na hora do recreio sair dizendo pra todo mundo que a autoria é dele.
– Bill? O da primeira fila?
– Ele mesmo. Essa cara de escoteiro pode enganar a todos, menos a mim.
– Não fique assim, com o pé atrás. Acho que você está fazendo mau juízo, nunca vi William Gates colando na prova ou coisa parecida.
– Não me venha com essa, teacher. Tenho uma opinião muito bem formatada sobre Bill, e não há nada que você possa fazer a respeito. Estive em sua garagem no verão passado e pude ver de perto seus métodos, ok?
– Tá certo, mas vamos mudar de assunto. Isso que você chama de estojo também é algo muito peculiar. Fale-me sobre ele.
– Ah… gostou? Fica tudo mais à mão desse jeito. É uma espécie de arquivo zipado. Basta um toque aqui no zíper e tenho acesso a todos os recursos que preciso, onde quer que esteja. Melhor que deixar tudo jogado de qualquer jeito nestas enormes pastas escolares. No tempo que meus colegas perdem procurando suas coisas eu já fiz o que tinha que fazer.
– Mas acontece que você não faz o dever…
– É preciso que a senhora entenda que não gosto de fazer a tarefa, gosto de pensar no jeito mais fácil de executá-la. O que se vai colocar no caderno, na lousa, na prova, é consequência. Cada um fará do seu jeito, e eu prefiro abrir atalhos enquanto os outros andam em círculos.
– Sabe, Steve, eu poderia reprová-lo ou mandá-lo para a diretoria por insubordinação. Mas sinto que a insubordinada no caso seria eu, pela audácia de fazer o revolucionário Jobs repetir de ano. Prefiro que a história diga que eu fui a primeira pessoa a acreditar em suas ideias, por mais insanas que elas me pareçam no momento. Por favor, não me decepcione.
(upgrade na edição 2.0)
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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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