Simplicíssimo

A BÍBLIA DEMON’S [TRADA] -Versão do Diretor

 

UM DIÁLOGO INÉDITO ENTRE EVASIVA E A SERPENTE

 

 

 

Tendo se passado estas coisas, estavam Andão e Evasiva de volta a parte do jardim onde costumavam passar mais tempo, pois ali ficava sua tenda, e descansavam, pois Evasiva estava muito esgotada devido os muitos dias que Andão havia a ‘conhecido’ no local de relva alta, e parecia mesmo ter dificuldades para andar. Andão, por sua vez, tinha os olhos fundos e perdera muito de sua cor, empalidecendo como o leite das cabras. Alguns dias após ter se refeito do dia em que Andão a ‘conhecera’ tão bem, por tanto tempo e por todos os ângulos possíveis, Evasiva por estar muito mais irritada por aqueles dias não podendo ver Andão na sua frente, pois enquanto ela cuidava da tenda e de todos os afazeres domésticos, Andão ficava à toa, ela resolveu dar um passeio pelo jardim para espairecer um pouco. Porém, tendo Evasiva se cansado da sua caminhada, recostou-se sobre a relva à sombra da árvore proibida. Enquanto repousava olhou para cima e viu os frutos desta e notou que eles eram verdadeiramente muito atraentes aos olhos e agradáveis ao olfato, mas não se atrevia tocá-los por se lembrar das recomendações de Deus.
 
 
 
Entrementes, o Diabo, que era muito astuto, e que fora transformado em serpente, sob esta forma saiu pelo buraco do alto do tronco da árvore, e vendo que Evasiva admirava os frutos, falou-lhe:
 

 

1.Não estás com fome mulher? Se forem tão belos aos teus olhos e tão agradáveis às tuas narinas estes frutos, imagine como não serão apetitosos ao teu paladar?
2. Quem és tu? Uma cobra que fala?
3.  Nem sempre fui cobra, em verdade vos digo.
4.  Claro que não, pois um dia deve ter sido um ovo de cobra. Mas pra mim é cobra agora, e cobra feia!
5. Acaso entendes tu de cobras, mulher?
6.  Pois já que perguntas, eu passei a entender algo nos últimos dias. Bem, pelo menos passei a entender de algo semelhante às cobras. [falou Evasiva com entoação e olhar maliciosos].
7.  kA, kA, kA, kA! Vejo que tens espírito, Evasiva, não é como aquele chato e mal humorado do teu senhor!
8. Conhece Andão, meu marido?
9. Que o que, não é do teu marido que eu falo, ele é um mero mordomo, refiro-me ao teu Deus.
10.  É, realmente, se em algo, o Senhor meu Deus teve muito mau gosto, foi em fazer uma criatura feiosa como você!
11. Alto lá! Não sou cria dele!
12.Tudo que existe foi criado por Ele!
13. Aí e que tu te enganas mulher. Se te interessa mesmo saber, nem tudo o que vês ao teu redor são obras do seu Deus, mas afirmo-te que ele teve um ajudante nestas criações, na criação deste próprio jardim em que tu vives e em tudo que nele há.
14. Ajudante? Você mente cobra perversa!
15. Asseguro que te falo a verdade. Houve sim um criador adjunto. Mais precisamente falando, poderíamos dizer que o senhor teu Deus forneceu os meios, foi uma espécie de produtor, mas teve de contar com um talento criativo maior que o dele, digamos, um diretor de arte!
16.Se for verdade, me diga quem foi este?
17. Modéstia à parte, esta humilde cobra que vos fala.
18. Você?!? Ah, ah, ah… Era só o que faltava, mal pode andar com estas tuas perninhas minúsculas, é um animal quase rastejante, como poderia ser criador de algo?
19.Já te falei mulher que nem sempre fui cobra. E digo-lhe mais. Não só fui este outro criador, como também, se agora você e seu marido vivem, conversamos aqui neste jardim, e tu me insultas e “conhece” Andão, e ultimamente estás às voltas com coisa semelhante às cobras, é, antes de ninguém, a mim que tu o deves.
20. Conta outra minhocão. Vai dizer então que criastes Andão e a mim também?
21. Quase.
22. Como assim?
23.  Deixe quieto, Evasiva, esta é uma longa história.   Digamos que eu tornei possível com a minha ciência que seu marido fosse criado e depois dele você. Mas tu poderás saber de tudo nos mínimos detalhes se comer destes frutos aí desta árvore. Pois se o fizeres, os teus olhos se abrirão para todos os mistérios da natureza, e entenderás não só de coisas semelhantes às cobras, mas de qualquer outra coisa também; compreenderás o motivo por trás de tudo em qualquer situação. Saberás tudo da vida de todos os animais e de outras pessoas que virem a existir depois de vocês; e também saberá combinar as cores umas com as outras, entenderá de cortes de cabelos e do vestiário da moda quando vieres a usar roupas. Enfim, não haverá curiosidade que você não poderá satisfazer!
24Jura? Nossa seria ótimo mesmo! [à parte: tudo nos mínimos detalhes].
25. Sim Evasiva, nos mínimos detalhes!
26.  Nossa você ouviu sua danadinha, eu falei tão baixinho. Mas o senhor meu Deus disse que se nós comêssemos do fruto desta árvore aí nos iremos morrer.
27. Bobagem Evasiva, besteira da grossa, falácia teológica! Todos vão morrer um dia. Tudo tem o seu tempo, e um dia acabará por perecer. Até o senhor teu deus morrerá um dia!
28. Até ele?
29.  Sim Evasiva, até ele. O tempo, mulher, é a única coisa imortal. Outros deuses já morreram. O tempo, só o tempo permanece e tudo ele modifica. O que hoje é mistério amanhã é ciência. O que é árvore, em milhões de anos, se tornará em pedra e as pedras se tornarão pó levado pelo vento. O tempo muda oceanos em desertos e transforma deuses em lendas!
30. Achas então que eu posso comer a fruta desta árvore sem nenhum risco?
31.  Nada é sem risco, mulher. Tu podes morrer hoje engasgada com um grão de milho, mas deixará de se alimentar com eles por causa disso? Tudo é uma questão de custo-benefício. O que quer que te aconteças ao provar este fruto, e que certamente não é a morte, pois esta acabará por vir quer o prove ou não, será mínimo se comparada a tua independência, à tua liberdade! Vamos lá pode provar, experimenta!
32. Evasiva, então, apanhou um dos frutos e ele era tão agradável ao tato como era aos outros sentidos. Deu então uma grande mordida. E tão suculenta era a fruta que o seu néctar escorria-lhe pelos lábios. Evasiva o saboreava extasiada, enquanto ia limpando com a língua e com as costas da mão o suco que lhe descia da boca, e sua língua tinha movimentos libidinosos e ela sorria e seu olhar se tornara mais malicioso. Percebendo, então, que a serpente notava as suas atitudes, tentou disfarçar, dizendo:
33. Credo, não fica me encarando assim não, seu bicho feio. Estes teus chifrinhos aí são um horror, eles me dão calafrios.
34. Pois faço hoje uma previsão, mulher: as descendentes do teu sexo colocarão cornos idênticos a estes que vês em mim nos descendentes do sexo do teu marido.
35. Ah é? Puxa, mas então no futuro os homens serão bem mais feios!
36. Quanto à aparência dos homens deixo que tu descidas. Mas posso adiantar-lhe, no entanto, que as pontas serão invisíveis. Principalmente não saberão da sua existência os portadores delas. Embora, em alguns casos, estes saberão e apreciarão as ostentar.
37. Misteriosas são estas palavras, quem as poderá entender? Mas dona cobra, achas então que Andão poderá ainda vir a portar chifres?
38.  Senhor serpente, por favor.
39.  Ah, ta, me desculpe, és então uma cobra macho?
40.   Muito macho!
41.  Tudo bem então. Mas me responda o que perguntei. Acha possível Andão ainda vir a ter chifres?
42. Por enquanto não. Pelo menos não neste jardim, onde só tem vocês dois de humanos. Se bem que…
43. O que, o que?
44.  Nada não, só uma idéia que me ocorreu aqui, assim enquanto eu olhava pra você…
45. Ah que isso, fala aí vai. Conta-me o que você pensou.
46.  Não, não, nada importante mesmo. Só pensei numa possibilidade aqui, mas… Não, acho que não… Talvez se você fosse a Cleópatra…
47. Quem?
48. Ninguém. Deixa pra lá. O tempo urge Evasiva e por hora é necessário que eu retorne para dentro da árvore. Vai ter com o teu marido e dá-lhe para comer deste fruto, para que o encanto seja completo e vocês dois possam saber tudo sobre todas as coisas. Tem que fazer isso viu? Esqueci de lhe dizer que se ele também não comer você não adquire os poderes.
49. Humm, isso não estava nos meus planos, porque não me avisou. Mas tudo bem, se é necessário eu o faço comer também.
50. Boa menina! Bem vou nessa Evasiva, até mais.
 
 
E dizendo isso a serpente se esgueirou para dentro da árvore, enquanto Evasiva correu ao encontro de Andão para lhe
contar o que lhe havia sucedido e dar lhe o fruto para comer.
 
 
 

Mephistopheles Pionus Maximilliani

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