CADA VEZ MAIS RÁPIDO
Sábado à tarde.
Lá está meu vizinho do andar de baixo com seu som no último volume, de novo.
Assim como todas as tardes dos últimos quatro meses, ele coloca suas coletâneas em CD-R, com as mesmas músicas cretinas que tocam à exaustão em qualquer dessas rádios “sucesso”.
Assim como todas as tardes dos últimos quatro meses, ele não ouve sequer uma música na íntegra. Isso é bom, porque sei que aquela música imbecil logo será abortada; mas, por outro lado, é ruim porque também sei que logo entrará outra fecalidade em seu lugar.
Mas o que mais chama a atenção não é o esmero com que esse fulano insiste em dissolver seus parcos recursos cerebrais com emanações sonoras tão lamentáveis. O que realmente preocupa é a urgência com que as ouve! Parece não haver tempo a perder.
Ao contrário do que seria de se esperar (até eu me surpreendo com isso), não fico irritado com essa imposição do regalo alheio; fico é preocupado com a velocidade exigida: Músicas com pouco mais de três minutos tornam-se insuportavelmente longas.
Mas este é só um dos reflexos, a vida ficou assim mesmo.
Quanto mais rápido as coisas passarem, mais rapidamente deverão ser atualizadas ou substituídas. Tanto melhor para quem produz o descartável.Então, quanto mais a burrice for estimulada e quanto menor a capacidade de mergulhar em uma música (por exemplo) e perceber seus pormenores e suas nuanças, mais facilmente se convencerá de que pensar é uma perda de tempo. Filosofar (o que é filosofar, se não buscar respostas e a compreensão?), por sinal, é supérfluo, coisa de gente desocupada. O imperioso é trabalhar.
Trabalhar para consumir mais. E rápido.
E a música de meu vizinho? Sei que esse monte de lixo logo será substituído por outro e só posso rogar aos deuses, com toda a minha capacidade de persuasão, para que não seja nada pior do que já é…
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