Camus, em uma de suas mais célebres frases, disse resumidamente que “amar um ser é matar todos os outros”. Em grande parte, ele estava coberto de razão.
Basta observamos o que geralmente acontece.
Apaixona-se. Entrega-se. Ama-se. O casal recolhe-se no seu mundo e vivem, literalmente, um para o outro. Esfriam outras relações. Afastam-se dos amigos. Podam a liberdade de ser afetuoso e provocar outras pessoas. Exige-se exclusividade. Amor é posse. Domínio. Demarcação de território. Exibicionismo. Auto-imposição. O “meu” namorado, a “minha” esposa. Já dizia Fernando Pessoa, se não sou sequer meu, como posso ser de alguém?
Falo, claro, no âmbito ordinário dos acontecimentos. De como ocorre na imensa maioria dos casos. Há sim, óbvio, os que conseguem fugir deste roteiro chinfrim, encontrando caminhos mais vivos. Mas, justamente por isso, também mais tortuosos e instáveis. Contudo, ainda que consideremos estes casos especiais, sequer eles conseguem fugir muito da mentalidade vigente, resultado de algo pregado há alguns séculos e já entronizado no cerne da sociedade.
Ou seja, somos impregnados com estes pensamentos desde sempre (monogamia, fidelidade, instituição do casamento, posse, ideais fechados do “papel” de homem e mulher, maniqueísmos, etc, etc) assim como somos com inúmeros outros, fazendo com que expurga-los de nosso ser torne-se uma tarefa nada, nada fácil. E os aceitamos. Porque é muito mais cômodo, e nos parece “natural” praticá-los. Pensa o grande homem moderno: “ora, se o inverso me atormenta, isto é prova suficiente para que eu permaneça com meus conceitos e postura”. Simples assim. O papel higiênico, por favor.
Outra questão é que buscamos, seja no namoro, seja no casamento, suprir a imagem do pai ou da mãe que tínhamos na infância. Incapaz de andar sozinho, insuficiente para ele mesmo, mortificado com a “solidão” e o “abandono”, o humano busca, de modo gritante, repor o conforto, o carinho, o cuidado, a segurança e o ambiente familiar dos pais na figura do novo parceiro. Eis aí a origem das aflições de boa parte daqueles solteiros que se exasperam, desnecessariamente, com a sua condição, como também do grupo considerável dos casados que vivem angustiados e infelizes, mas o fazem por “obrigação”. Tudo neste mundo é imposição, controle, ordem, tradição, reducionismos, cabrestos.
Disse alguém, não lembro onde, que as mães são, par excellence, o maior partido conservador da humanidade. Observação socialmente irretocável.
Ai dos que tentam viver à margem! Ai dos que desafiam qualquer coisa! Ai daqueles que não seguem as tradições! Ai da voz dissonante! Dos que não viram a outra face! Não se vistam de modo “aceitável”, sigam uma religião comum, ouçam o esperado, sejam sexualmente domesticados.
O humano, besta que só ele, deveria encontrar a si mesmo antes de querer unir-se a alguém.
(Si mesmo onde? Como? Por que? Qual deles? De que forma? Independência, autonomia, personalidade, isenção, rótulos?)
E, ainda assim, ter consciência daquilo que busca e quer. Do que está sujeito. Da imprevisibilidade. Do animal. O selvagem, inseguro e fraco. O devorador insaciável. A besta fera pulsante que despreza grande parte daquilo que é obrigada a viver e está ali, sempre, prestes a caçar…sedenta.
Óbvio que a solução de tudo isto é, reduzindo a uma formulinha pronta, tentar encontrar o equilíbrio entre as duas coisas: aí estaria o homem bom. Aí conseguiríamos nos situar entre as infinitas e ardilosas faces que temos.
Não se entregando ao instinto mas também não se contentando com a ração. Somos animais, admitamos. Libidinosamente suscetíveis e fracos como previsivelmente traiçoeiros. Mas é melhor que não se fale nisto, certo?
(posso sentir o ódio que o condicionamento enraizado provoca neste momento – como somos rasos, burros e semelhantes, ó Pai!)
Estúpidos a ponto de sempre querermos aquilo que não podemos ter. Ou de desejar tudo ao mesmo tempo. Ou de almejar condicionar o mundo aos nossos caprichos. De engrandecer-se por se julgar superior – alguns, poucos, realmente são. Ou que, sendo diferente, esperar conviver em harmonia com os demais. Ou ainda, que consigamos nos mover impunemente pelos pequenos “delitos” cometidos.
"Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado. (…) Eu reclamo o direito de ser infeliz."
Somos pouco afeitos a desafios. Prezamos a segurança – de toda espécie – mais que qualquer outra coisa. E que o conforto, nem sempre, traz os benefícios que buscamos. Então adoecemos. Moribundos vagando a esmo. E coniventes.
Esquecemos que há outro mundo lá fora. E há milhares dentro de você. Pule o muro pequeno selvagem. E tente não morrer na montanha.
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