Gostaria que houvesse uma forma mais sutil e obscura de dizer isto. Embora ela exista, não é algo que eu esteja disposto a fazer no momento. A verdade é simples: eu mudei. Estou em pleno processo de transformação. Não que não estejamos sempre, mas pela primeira vez isto se torna tão claro e nítido, consigo ver de forma tão límpida, que chego a me assustar. Positivamente. O pasmo essencial de ter nascido.
Sinto, densa e gradualmente, o descolar definitivo da infância, arrastando com ela todos os traços negativos que a mesma traz. Que os bons permaneçam. E que eles se adaptem e me auxiliem sempre que necessário. Claro que é errôneo simplificar em “bons” e “ruins” estes aspectos: a classificação não existe, é fruto somente de um maniqueísmo, uma preguiça mental e certa resignação ao senso comum, como forma de se fazer melhor entendido, ocorrendo algo semelhante quando utilizo expressões como “Deus”, “amor”, “caráter”, etc.
Freudianamente falando, é mais do que claro para mim, há tempos, que tenho forte ligação com a fase oral. Os traços são evidentes não só na libido, nas pulsões e obsessões como estendem-se para grande parte da personalidade (dependência, inquietude, curiosidade) e até mesmo em inequívocos sinais, dentre eles o bruxismo, problemas e inibições na fala. No fundo, a agressividade pontual impregnada na maior parte disto torna-me um perfeito sádico-oral, de acordo com o que já foi postulado.
Claro que meu ser e minhas idiossincrasias, embora parcialmente descritas no parágrafo acima, não se restringem e limitam a uma classificação tão simples. Dependência – entendida num espectro amplo e subjetivo – a mais arraigada e perigosa de tais características, opõe, não à toa, forte resistência para ser quebrada. Felizmente, esta é a que sinto de modo mais intenso sobrepujar. Saindo do meio “excessivamente cômodo e seguro da infância” para não só ousar ainda mais ser como para desfrutar o inestimável valor da experiência. E poucas coisas a conseguem superar. Devo a ela tudo que sou. Sempre atento para tentar extrair ao máximo o que ela me oferece e jamais esquecendo da frase de Huxley: “experiência não é aquilo que acontece com um homem, é o que o homem faz com aquilo que lhe acontece”. Devo, aliás, não só a ela, mas a todas as perdas que sempre sofri, às dificuldades e dissabores que encontrei o que sou hoje. Lidar com perdas, em especial, não só é um dos pontos mais críticos da existência humana como, também, território fértil para avaliar nossa capacidade de superação e adaptação.
Tendo em mente que evolução não significa somente melhora, avanço, mas vai muito além disto: é principalmente adaptação, movimento, processo. Traz uma conjuntura de coisas que nos levam a aprender com o passado, agregando novos fatores, reconstruindo, mudando concepções, idéias, resgatando outras. Enfim, integrando-se ao meio em que se vive, impondo desafios e chegando ao cerne de nossa própria sobrevivência.
É curioso (e suculento) olhar para trás, vasculhar em sua produção intelectual, sua vida, os acontecimentos nela ocorridos e observar que, em grande parte, fragmentos preciosos observados e refletidos no passado ressoam até hoje, muitas vezes de forma ainda mais intensa. Reler, redescobrir e repensar a si mesmo, aos outros e aos seus autores preferidos é um exercício de profunda reflexão, de reencontro – e choque, dor, alegrias, particularidades – com idéias e vivências talvez perdidas, sublimadas e que estavam hibernando, prontas para vir à tona novamente!
Engraçado como necessitamos de rótulos, bandeiras, ideologias, classificações e definições diversas: agarrando-nos doentiamente a elas, nos enclausuramos em nossa própria mediocridade. E pior: sofremos com isto. Adquirimos uma espécie de dever com certas posições, ficando negativamente obcecados com elas. Como se devêssemos fidelidade a algo! Na conotação mais nefasta que isto possa ter. Não só eu, como todos os seres humanos, e “o homem moderno” em geral, são recheados de contradições, incoerências e paradoxos. É a quintessência de nosso mundo. Está impregnado por todos os lados, em cada ser vivo, em cada ação, em cada tentativa de não ser assim. Tendemos a aceitar que somos algo, quando na verdade apenas estamos, esboçamos um estado temporário. E bom que assim seja. Porque, se não consigo mudar, se não apresento transformações, então estarei morto existencialmente.
E a adaptação, aproximada da superação, é o que nos mantém vivos. Ou seja…
Engraçado notar como um pensamento óbvio elucida tantas coisas. Na verdade, refletir sobre “óbvio” é um exercício que pouco fazemos, porque imaginamos já o compreender. Erro fatal e danoso. Coisa que eu mesmo disse neste espaço tempos atrás.
Felinos tem um comportamento bastante peculiar. Carinhosos porém frios, aproximam-se com isenção, são extremamente agressivos no coito, frágeis mas violentíssimos em sua defesa e embora dependam, mantém grande independência em relação a seu dono. Criam um mundo próprio. Não se entregam a qualquer visitante. Analisam calmamente alguém para entregar parte de sua intimidade. No fundo, fazem apenas aquilo que querem. Selecionam cuidadosamente sua ração, seu canto, seus artifícios. Satisfazem-se, as vezes retribuem, e vão embora. Comumente traiçoeiros. Aventureiros. Não hesitam em desaparecer. Ronronam quando atendidos. Fazem graça e comportam-se com adorável ingenuidade. Tente sobrepuja-los pela força, raramente terá o efeito desejado: eles não respeitam. Felinos são animais de psicologia admirável: misteriosa, rica e idiossincrática.
Convivi com gatos absolutamente toda a minha vida. Desde sempre. E daí que adquiri muito do que são. E trago em mim vários paradoxos e comportamentos inerentes a eles.
Eu mudei. Muito. Os últimos quatro meses foram excitantes e reveladores para mim mesmo. 2007 começou impondo-me vários renascimentos, vários desafios. Que estão em plena efervescência. Isto é vivificante. E maravilhoso. Me impulsiona de uma forma soberba.
Sei que isto pode não interessar a ninguém. Mas é bom compartilhar com vocês. Espero que possam aproveitar de algum jeito. Se nascemos da relação, das dificuldades, novidades e desafios, que celebremos o lado prolífico do humano e saibamos rir de nós mesmos!
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