Hoje é um daqueles dias soturnos, estranhamente débeis, que passam como o desenrolar de uma trama kafkiana escrita por um prosador de quinta categoria. Um daqueles dias comuns, na verdade. Quando você se dá conta de tudo de errado que fez para si mesmo nos últimos anos – e sempre é muita coisa, peso demais, escorregões demais. Desleixo. Apatia. Um daqueles malditos dias saudosistas que servem apenas para você ter a certeza eterna de que a nostalgia não resolve coisa alguma, só piora. Tem o cheiro doce do que foi bom, apodrecendo diante dos seus olhos. Um daqueles momentos que você se dá conta – por estar sempre tentando evitar – que sabe que nada mudará de manhã, que um dia após o outro também pode tratar-se apenas de mais angústia.
É um daqueles dias bobos em que você questiona tudo. Em que ousa observar com transparência o que sua vida realmente se tornou. É um daqueles dias, meu amigo, que acontecem sempre. Quando se tem plena consciência de todo escapismo, todo analgésico, todo paliativo que se tornaram a fundação da sua existência. É uma droga para relaxar e outra para curar o estrago da primeira. Um daqueles dias que você sabe que nada adianta. A dor não vai passar, nada irá se resolver. Em que há o vislumbre da desgraça por vir. Em que é necessário se proteger da chuva que não vem. É um daqueles dias covardes. Que você não vai cortar ninguém em pedacinhos. No máximo vai espalhar sua raiva por alguma rede social.
Um daqueles dias que você acorda com a cara enrugada, o sol castigou a moleira, a vista cansada, exalando álcool como um alambique. Daqueles vagabundos, mas honestos, que ficam no meio de um canavial, perto de algum rio barrento do interior. É um dia estéril, repleto de clichês. Que se retro-alimentam na infindável sensação de retorno. Em que você deixa uma xícara de café suja na mesa, mete uma bala de canela na boca e vai se refugiar num lugar qualquer. Ainda que prazeres esporádicos apareçam, há a onipresente certeza: o mal nunca acaba.
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