Simplicíssimo

Tralálá (e além).

Vamos ser honestos: eu não nasci pra isso. Cuidado. Escuta! Esta afirmação pode fazer acreditar que eu nasci para alguma coisa. O que é, óbvio, um absurdo. Francamente: não suporto os hedonistas. Assim como não suporto os depressivos, os indiferentes, alienados, ignorantes, medíocres, imbecis. Os malvados. Os bonzinhos. Cioran estava brutalmente certo quando dizia que o simples fato de ser impossível encontrar um povo ou tribo em que o nascimento cause dor e lamentação é uma prova irrefutável de nosso retrocesso. Ora, verdade! Quanta demência é necessária para celebrar a chegada de um novo ente!

 

Penso, por conseqüência. Se nós não existíssemos, o que haveria afinal? Digo, como seria o mundo sem o mundo? Se a espécie humana não existisse, estas duas palavras, tal construção semântica, seria completamente impossível. Que palavras? Existimos porque temos de existir. Existimos porque cremos nisso (e a faculdade de crer é o que requisito primordial disto). Tudo o mais é invenção. Inventamos nosso entretenimento, nossa política, nossos deuses, nossa moral, nosso amor, nossas leis, nossos sentidos. Todos, todos eles. Todos são derivados da risível necessidade humana de justificar não só sua existência, como o desenrolar de toda sua vida. Toda a invenção é feita para manter a ordem. E até o questionamento da ordem é feito para mantê-la. Tudo está previsto, metabolizado, entronizado, aceito. A ordem está garantida, seja ela qual for. Assim que compreendo Nietzsche quando ele diz que não devemos lutar contra as aparências, porque são elas, na verdade, que governam o mundo (Maquiavel disse coisa semelhante, mas não possuía consciência tão completa do que estava dizendo). As aparências são o que realmente somos. E, novamente, é por isso que compreendo Thomas Hobbes quando ele adverte que o homem, em seu “estado natural”, é competidor voraz de si mesmo. Homo homini lupus. Para estabelecer a ordem, para não cairmos numa carnificina sem fim pela luta do poder, entregamos este fardo a um homem. Outorgamos o poder (e, por conseqüência, toda a responsabilidade sob a substância societal de uma época) a ele, pela sobrevivência. Abrimos mão do que nos é de direito. A concessão representa a fundação de nossa vida.

 

Não se enganem. Hobbes era absolutista. Nietzsche, apesar de gênio, produziu muito de patético e abominável. Mesmo Cioran, ácido e divertidíssimo, possuía o incrível dom de dizer besteira. E eu, por minha vez, posso estar interpretando os três de forma completamente errônea. Ou, também o contrário. Talvez esteja levando o pensamento de tais homens a lugares que os mesmos não previram. Posso ser a maior besta ou um dos caras mais espertos do mundo. Toda interpretação é duvidosa. Fui eu quem disse. Noam Chomsky, por exemplo. Desmascara impiedosamente charlatães como Foucault e Derrida. Difícil discordar quando tudo é tão simples e certeiro. Quando não há floreios verborrágicos – para dizer apenas o trivial – e que se destina a um público tão especifico, limitado e, no fim, insignificante. O que é o terceiro estado? Tudo. Que influência ele tem no governo atualmente? Nenhuma. O que ele quer? Ser alguma coisa. Syés estava estupidamente certo no que dizia. Não só o terceiro estado. Todos nós queremos sempre ser alguma coisa. Sorte daqueles que podem realmente se gabar de consegui-lo. Aos outros, a casta de ressentidos, ignorantes, imbecis, dotados de compaixão, benevolentes, ao homem de rebanho, resta apenas fazer-se através da força, da imposição – quando ainda se tem essa possibilidade – de tudo que é mais vil e desprezível na atmosfera terrestre. Porque seria incoerente pensar que o verme se alimenta de coisa melhor.

 

Os únicos a serem levados a sério somos nós, o crème de la creme da humanidade. Não no sentido de se afastar da massa, porque, afinal de contas, é ela que nos propiciará a elevação da qualidade de vida, como é ela que mantém os privilégios que temos hoje. E, é bom lembrar, sem a massa, perde-se o sentido de diferenciação, o status, o pressuposto da superioridade. Conseguirá o intelectual, e todas as elites do mundo, abdicar de sua posição? Resistirá ele ao lado negro da força? Será que queremos, realmente, alguma transformação profunda no seio da sociedade?

 

Por último, é necessário que se separe a diferenciação do intelecto da diferenciação econômica, da qualidade de vida. Uma sempre existirá, a outra tem muito mais possibilidade de vir abaixo. De qualquer maneira, não vejo nenhum benefício em falsa modéstia, convenções sociais e anseios de popularidade. Porque toda a humildade que o senso comum apregoa não é senão a tentativa de ser aceito e galgar conquistas. Sendo verdadeiro, bruto e ácido, tudo tende a repeli-lo. Ademais, somente o sábio é capaz de ser humilde, porque somente ele pode mensurar o tamanho de sua ignorância. Os ordinários nem disso são capazes. E ainda ousam criticar! Pasmem! Querem eles cri-ti-car! A arte máxima da humanidade, a substância mais importante de nossa essência!

 Claro, a explicação é simples: não há nada mais divertido para o homem do que sua própria ridicularidade. Na falta do talento (do dom, da lucidez, do esforço, do tato, da vontade, ou o que diabos quiser), alimentamos nossa infinda capacidade de sermos patéticos. “As verdadeiras virtudes sempre incomodam e provocam ódio”. Hermann Hesse sintetiza melhor. De modo que não me aborrece a existência da massa, dos outros, apenas sinto pena e compaixão destes. O sentimento mais abominável que existe. A nós, a quem eu de fato falo, ensaio uma recomendação: deixem que eles continuem crendo em sua vida, quando apenas existem. Não passam de matéria já pútrida, decompondo-se cada vez mais. E eu sei bem o quanto é difícil viver em meio a cadáveres. Uma saudação a vós, seres do presente!

Maurício Angelo

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