No meu texto sobre Tropa 2, algumas semanas atrás, ainda no calor da coisa, ressaltei o quanto o filme é feliz em criar um “documentário de ficção”. Algo óbvio e natural, visto que Tropa 1 foi o primeiro filme de ficção de Padilha e segundo o diretor a “trilogia” que Tropa 2 fecha foi iniciada com o ótimo doc “Ônibus 174”.
Prestes a completar 9 milhões de espectadores, Tropa 2 é o maior fenômeno do cinema nacional desde Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1977, ainda recordista com 10,2 mi. Só isso, com certeza, significa muita coisa. Em tudo que este simbolismo revela do público, do país, do próprio cinema, etc. Esticando o conceito de ver “significado” em tudo.
Da parte de quem não gostou do filme, vi estourar por aí argumentos do filme ser “clichê demais”, “caricato”, coisa e tal. Pra começar, há muito tempo já virou clichê atacar algo dizendo que ela é clichê. Sabe? Tem gente que faz boas coisas dentro dele, outros não. Normal. O clichê, por si só, está longe de estragar uma obra, seja ela qual for.
Um pouco dessa “raiva” parece ser da expectativa que o cinema supere a vida comum, que vá além do caráter cacete da nossa existência, que consiga fugir justamente dessa rotina mais lamacenta em que nos encontramos: seja na ficção de um Spielberg, seja explorando essa “crise” do real como um Cassavetes. Compreendo que se possa esperar muitas coisas do cinema e quando ele não atinge suas expectativas, ou sua vontade, a recepção não seja positiva.
Mas, como dito, Tropa 2 já traz no DNA a vontade de ser um documentário. Além disso, o filme é propositadamente clichê, caricato. É uma obviedade sem tamanho. Tudo é direcionado para mostrar justamente esses milhares de clichês que povoam a “militância” de direitos humanos encarnada em Fraga/Freixo, esse discurso batido que conhecemos bem. A charge viva personificada por Fortunato/Wagner Montes. A própria polícia. A mídia. Etc. O clichê como ele é. A “realidade” bem próxima de como ela é.
O filme é didático. Excessivamente didático. Isso realmente pode afetar a paciência de quem não suporta esse tipo de coisa. A narração em off onipresente. Recurso cinematográfico mais fácil para contar uma estória. Cinematograficamente, Tropa 2 é pobre, óbvio. A montagem, a câmera, os recursos, a fotografia, o ritmo. Nada que vá além do básico. O clichê máximo talvez seja uma das cenas finais, com a câmera mirando diretamente a Esplanada, em Brasília. Dá pra pensar em clichê maior que esse?
Ao mesmo tempo que Tropa 2 tem todos esses “problemas”, o filme é corajoso, importante, capaz de gerar discussões para além do cinema por muito tempo – como o primeiro já fez – e também cravar passagens, frases e personagens no imaginário popular do brasileiro. E é bom que isto aconteça. É relevante, também, não termos vergonha de abraçar algo assim. Entre o povão e a eterna postura blasé da “intelligentsia”, tem muita coisa. Ainda estamos aprendendo a lidar com isso. Da enorme falta de algo a que a massa possa se identificar, pensar, ver-se retratada na tela. Com todas as contradições, paradoxos e questões delicadas envolvidas.
Tropa de Elite 2 se aproveita dessa carência com propriedade. E merece todos os créditos, o sucesso e tudo que venha a conquistar por isso.
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