“Breathe, breathe in the air, don’t be afraid to care”.
Poucas coisas no mundo me tocam tanto quanto o Pink Floyd. Bom, eu não quero ser demasiado chato (e tenho que fazer um esforço tremendo para não sê-lo), contudo, creio ser desnecessário fazer aquela introdução básica dizendo quem é a banda. Se você não os conhece, realmente não deves ter estado na Terra nos últimos quarenta anos. Na pior das hipóteses, e ainda que não saiba, os refrães de “Another Brick In The Wall Pt. II” e “Wish You Were Here” devem ser familiares a você. Sim, o Floyd é a banda do “hey, teacher!”, porca miséria!
“Is there anybody out there?”
Perdi a conta de quantas vezes chorei ouvindo, assistindo, lendo, escrevendo e pensando sobre eles. Na verdade, olhando bem para trás, posso dizer que a sua música praticamente me salvou do suicídio. Não a toa que, parafraseando Matrix, não acho nenhum exagero chamar Roger Waters de “meu Jesus Cristo pessoal”. Faz um bom tempo que eu respiro, como, bebo e trabalho com música. Uns cinco ou seis anos. Dezenas de estilos diferentes, centenas e centenas de bandas, milhares e milhares de composições. Nada se assemelha a eles. Não o digo simplesmente no sentido de sua sonoridade ser única, há várias outras bandas que também conseguiram este status.
“I don't need no arms around me /I don't need no drugs to calm me/I have seen the writing on the wall/Don't think I need anything at all/All in all it was all just bricks in the wall”.
A magnitude do “nada se assemelha a eles” é incalculável. O Floyd não toca progressivo, space rock, psicodélico ou qualquer outra coisa semelhante. Eles tocam Pink Floyd. Alcançam o conceito máximo em praticamente todos os pontos imagináveis: técnica, simplicidade, sentimento, letras, arte gráfica, arranjos, harmonia, solos, concepções estéticas, concertos, inovação. E mais: foram os pioneiros em várias coisas. Ensinaram o público a ouvir música, colocaram a indústria sob seu domínio – ditando os rumos da mesma como queriam.
“You lock the door, and throw away the key, there’s someone in my head, but it’s not me”.
Faz pouco mais de um mês que perdemos Syd Barret. Roger Keith Barret foi membro fundador ao lado de Roger Waters e o líder do grupo em seu início. Pintor, compositor, ator, poeta e lunático de carteirinha, foi embebido em LSD que Barret, nos primeiros anos de Floyd, inovou a música e as apresentações ao vivo para sempre, deixando forte influência em seus colegas. O vocalista seria afastado ainda em 68 por abusos de drogas e uma certa predisposição à esquizofrenia, que estava comprometendo os shows do grupo. Syd morreu em sua casa, aos 60 anos, por complicações causadas por diabete. Seu corpo foi cremado em Cambridge, Inglaterra, conforme sua vontade.
“Shine on, you crazy diamond”.
Ingressar no mundo e na atmosfera que obras como “The Piper At The Gates Of Dawn” (o debut totalmente capitaneado por Syd), “Meddle”, “Dark Side Of The Moon”, “Wish You Were Here”, “Animals” e “The Wall” proporcionam é indescritível. A poesia, lucidez, perspicácia e ironia das letras da banda sempre foram reflexo direto de sua sonoridade e experimentos artísticos. Além de inspiração e tema de longas reflexões pelos fãs. Ou floydianos, como queiram.
Impressionante constatar como gerações e mais gerações se sucedem, sempre descobrindo o som da banda, apaixonando-se, se interessando e dando continuidade ao legado. O maior prazer de um artista deve ser observar este carinho, respeito e admiração nunca se extinguir, mas, pelo contrário, atingir a imortalidade indestrutível.
“Us, and them, and after all we're only ordinary men”.
Grande parte das coisas que faço está impregnada de sua influência. Há desde toques subjetivos até os mais explícitos. Nenhum outro grupo exerce poder e atração tão grande sobre mim. Nenhuma outra banda me inspira tanto respeito. Waters, em especial, sempre definiu com maestria os sentimentos, anseios, aflições e conflitos do ser humano, além de possuir um tino crítico apuradíssimo (dotado de intensa e gostosa ironia). O considero, sem dúvida, como um dos melhores escritores da segunda metade do século XX. Ele, George Orwell e Hermann Hesse são três das pessoas as quais me senti mais próximo ao longo da vida. Aquela simbiose rara, de perfeita cumplicidade, afeto e compreensão.
“Over the mountain watching the watcher/(…)/Knowledge of love is knowledge of shadow/(…)/Set the controls for the heart of the sun”.
Se eu fosse descrever, não o faria tão bem. Mesmos minhas interpretações póstumas não seriam tão belas e sucintas. É claro que o significado de determinado escrito sempre acaba sendo dado por quem o interpreta, por quem se relaciona com ele. E os adaptamos a certo momento, aquilo que nós queríamos que significasse.
“And you run and you run, to catch up with the sun, but it’s sinking”.
Deve ser um pouco dessa coisa paterna. Waters perdeu o pai aos quatro meses de idade, morto na Segunda Guerra Mundial. Eu, praticamente, nunca tive. Ele, ainda, sofreu com a superproteção materna. E tinha que se criar naquela Inglaterra odienta e hipócrita do pós-guerra.
"Mama's gonna make all of your nightmares come true/Mama's gonna put all of her fears into you”.
Família é sempre a mesma coisa. “Todas as famílias felizes são iguais. Cada família infeliz é infeliz à sua própria maneira”, disse Tolstoi. Alguém discorda? Tenho sempre a mesma sensação. Um pouco alucinógena, explosiva, insegura, descrente…
“One of these days, i’m going to cut you into little pieces”.
Quando se passa por muitas desgraças, você espera qualquer coisa. Quando se vive no limite, tudo toma outro contorno. E não há como compreender. Ou você é meu cúmplice, ou não é. Pode mandar a cavalaria, eu agüento.
"You have to be trusted by the people that you lie to/So that when they turn their backs on you/You'll get the chance to put the knife in".
Então, corra coelhinho, corra. É onde vivemos. Que deus você quer servir? Faça troça de tudo. Banque o espertalhão. Assuma a personalidade que melhor lhe convir. Jure lealdade à sua própria ignorância.
"O.K.,just a little pin prick/There'll be no more aaaaaaaah!/But you may feel a little sick".
“The Wall”, em especial. A trilha sonora de minha vida. Uma das peças mais fortes e ácidas que conheço. Profética, eu diria. Este texto, obviamente, está recheado de citações de várias músicas do Floyd. Mantive o idioma original para não ferir o ritmo, a harmonia e a construção das idéias. É incrível. Há dezenas de outras composições que merecem serem citadas. E é um eterno prazer descobrir suas múltiplas aplicações. Apenas mais um tributo. Desnecessário. Grato, recolho-me. Por hora.
“And everything under the sun is in tune, but the sun is eclipsed by the moon”.
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