Simplicíssimo

Rumo à sociedade de controle total

Ao que parece, a cada vez que conquistamos algum vitória no quesito da liberdade, sempre vem alguém querendo estragar tudo.

Hoje, em nome de nossa "segurança", temos um arsenal de meios de vigilância e controle, prontos a seguir a cada um de nossos passos – sejam eles as câmeras de vídeo nas ruas, os radares ou projetos de lei, como o do senador Eduardo Azeredo, que promete coibir a liberdade e a privacidade na internet.

O filósogo francês Michel Foucault abordou a questão do controle do Estado – ou da sociedade – sobre o indivúdui em diversas de suas obras. 

O texto “O Panoptismo” constitui o terceiro capítulo da terceira seção (“Disciplina”) do livro “Vigiar e Punir”, de Michel Foucault. Neste trabalho, o filósofo, procura estudar a mudança da noção de castigo e controle da criminalidade a partir da observação de seu desenvolvimento histórico na sociedade ocidental.

Evidentemente, o foco do autor está na análise da questão em nível europeu e não aborda outras concepções sobre o tema. Há, por exemplo, uma interessante análise, logo no início do livro, acerca da gradual eliminação do castigo físico aplicado aos criminosos (a descrição do suplício aplicada a um prisioneiro, oferecida no início do primeiro capítulo, é realmente assombrosa e difícil de ser esquecida).

O capítulo dedicado ao Panóptico é iniciado com a descrição de como os governos europeus procuravam tratar a questão da peste. Neste texto, nos são apresentados os sistemas de controle e contenção da doença, a partir do aumento do poder do Estado local sobre a vida da população, seja ela realmente infectada ou apenas suspeita de portar a doença (a peste bubônica, que assolou o continente europeu principalmente na Idade Média e que hoje é uma praga limitada geograficamente aos países periféricos).

A partir da segunda seção, o capítulo é inteiramente dedicado à descrição e análise do Panóptico, que é apontado pelo autor como um exemplo do desenvolvimento e aplicação da idéia de controle social onipotente, que acompanhou a evolução da sociedade ocidental. O Panóptico, propriamente dito, é um sistema arquitetônico idealizado pelo filósofo Jeremy Bentham, com o objetivo de possibilitar o máximo controle e vigilância às pessoas reunidas nesse espaço físico. De acordo com Foucault:

 “…na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas , uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado.”


A vigilância é realizada da forma mais simples possível: um guarda, um administrador ou qualquer outra figura que represente a autoridade, segundo o fim proposto à estrutura (que, para Bentham, poderia ser utilizada para estudar e disciplinar estudantes, operários, prisioneiros ou doentes mentais), é instalado na torre central. O projeto arquitetônico foi desenvolvido para permitir ao observador visão total sobre os prisioneiros, ao mesmo tempo em que ele não pode ser visto. 

A análise de Foucault sobre a estrutura está centrada em sua tese de que o Panóptico de Bentham representa um exemplo do desenvolvimento da noção de sociedade de controle, que só é possível a partir do desenvolvimento técnico da sociedade moderna. Segundo o filósofo, esta moderna concepção teria como alguns de seus eixos principais a eliminação de elementos diretamente repressivos e opressivos por parte do poder hierárquico.

Assim, desta forma, o Panóptico elimina a necessidade de controle direto, uma vez que, para as pessoas abrigadas na estrutura, é impossível determinar se estão ou não sendo vigiadas a todo momento. Basta que elas acreditem que estão sendo examinadas para que o controle seja eficiente.

Ainda de acordo com o autor, o Panóptico representa claramente um exemplo da noção moderna de que a repressão e o controle devem ser restritos e, na medida do possível, invisíveis às vítimas.

O desenvolvimento do controle total


A literatura nos doou dois exemplos de sociedades de controle total, que são diametralmente opostas. No romance “Admirável mundo novo”, de 1922, o escritor inglês Aldous Huxley, nos apresenta uma visão de um futuro indefinido onde o controle da sociedade pelo Estado é realizado a partir da manipulação genética, o condicionamento psicológico dos sujeitos desde a infância e um insidioso sistema que atribui recompensas ao comportamento social considerado adequado.

O livro “1984”, de George Orwell, escrito em 1948 e fruto das decepções do autor com o socialismo de cunho stalinista soviético, descreve uma sociedade onde o controle total é realizado pela vigilância constante dos indivíduos, pelo medo da punição física (tortura e execução) e pelo constante reforço da individualidade e isolamento dos cidadãos.

A oposição ente as idéias de controle total defendidas pelos autores aparece nas formas utilizadas para assegurar o comportamento socialmente desejável. Em “1984”, é utilizado o medo da punição; em “Admirável mundo novo”, a obediência é regiamente recompensada. Em ambos os casos, a vigilância, ainda que onipresente, é praticamente invisível, como no caso do Panóptico, analisado por Foucault.

Nas sociedades modernas, aparentemente, saiu vitoriosa a noção de Huxley, já que o comportamento socialmente aceitável, jamais definido pelo indivíduo e sim por uma instância superior a ele, praticamente invisível, também é recompensado, principalmente pelo acesso ao consumo e outras benesses da vida moderna.

Além disso, como demonstrado por Foucault, a vigilância e o controle do Estado ou dos agentes de autoridade, tornou-se praticamente invisível, ainda que onipresente.

Thiago Fuschini

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