Simplicíssimo

Discurso de Valores

 No segundo turno do último processo eleitoral o pano de fundo foi o discurso a respeito dos valores, de modo especial, no que diz respeito ao valor da vida (questão do aborto). É motivo de honra para nós brasileiros vermos que os então candidatos a presidência do país eram distintos e destemidos defensores da honra, da moral, e dos bons costumes. 

Será?!
É eloqüente discursar sobre a vida humana, sobre seus direitos e deveres, de como deve se proteger os menores e indefesos. Mas, será que eles estavam dispostos a discursar, debater e promover os valores que guiam a vida humana?
Afinal de contas, ainda existem valores que guiam a vida humana? Vivemos uma realidade tão complexa que chega a ser quase contraditória, pois a contemporaneidade está marcada pelo pluralismo de crenças e enlaçada pelo fenômeno da globalização. Não sou a favor da censura e muito menos defendo uma sociedade dogmática. A liberdade para questionar é um dos nossos maiores bens. Contudo, a liberdade ora versa uma libertinagem que relativiza todos os valores, nada mais tem caráter absoluto, tudo depende da variável de quem julga. Pergunto: isso é liberdade? Quem há de regular tantas considerações diversas? 
Retorno ao já dito para responder, o fio de união que perpassa tantas ponderações chama-se Globalização. Ora pois, o que é a Globalização? Que ser é esse capaz de atrair os opostos? De onde vem tamanha capacidade de unir pontos divergentes?
O segredo do Moisés do séc. XXI está no seu cajado: o capitalismo. Todos estamos subjugados as leis do sistema capitalista. O capital ou, melhor, quem o detém é quem comanda. Infelizmente passamos por um momento histórico em que a questão econômica tem preponderância sobre os demais aspectos da vida humana. Se faz tudo para e por dinheiro.
Não quero fazer uma apologia ao socialismo, não sou um comunista de plantão, até porque creio que a situação seria pior se estivéssemos nesse sistema utópico e caótico. Prova disso, olhe para as experiências socialistas ao redor do mundo, qual país nos dá um exemplo inspirador? Nenhum.
Contudo, o capitalismo selvagem que vemos hoje em dia, tem reduzido o valor da vida e da dignidade humana a números financeiros. Teoricamente é bonito falar que pobres e ricos são iguais, na prática isso não é realidade. Os políticos em campanha se tornam pais e mães dos menos favorecidos, mas é aos amantes que eles destinam a maior fatia de “amor” quando estão no poder.
Pensemos bem, o custo da campanha dos dois maiores candidatos a presidência da república gira em torno de 160 milhões de reais. Pois bem, o que eles irão ganhar em troca para valer a pena um gasto deste tamanho? Esse dinheiro, em sua grande maioria, vem de doação das grandes empresas, das corporações, dos bancos. Que bonito perceber que estes detentores do capital abrem mão de tamanha quantidade de dinheiro apenas para promover o debate democrático de nossa nação! Belos burgueses de bom coração, que tiram do próprio bolso o dinheiro, sem esperar recompensa nenhuma!
Um instante! O tema desta reflexão não era os valores na eleição? Sim, mas os valores que estão em jogo numa eleição normalmente não são os da vida humana, mas os do bolso, cuecas, meias e tantos mais que nem imaginamos, mas que são usados.
Ninguém estava preocupado com a questão do aborto. Prova disso, que a então ministra Dilma discursou a favor do aborto a pouco tempo atrás, esse vídeo deve ter sido enviado para sua caixa de mensagens, e pouco antes do segundo turno, na iminência de perder votos, virou uma cristã de berço que jamais proferiu estas palavras.
Não faço aqui também apologia a Serra, pois enquanto ministro regulamentou as normas para o aborto em caso de estupro. Se é um cristão ferrenho e convicto, não deveria o ter feito, pois para o cristianismo não importa o modo como a criança foi concebida, ela tem direito a vida.
A questão é que eles estavam com medo de perder votos, de perder a eleição, pois o povo mais simples pode ser influenciado por isso, afinal de contas as religiões abraçaram essa causa ferrenhamente. Outro ponto estranho. A Igreja Católica pediu para não votarem em partidos e candidatos abortistas. Algumas Igrejas Evangélicas fizeram o mesmo. Até ai tudo bem. Porém, na quarta feira dia 13 de outubro, cerca de 30 representantes de Igrejas Evangélicas se reuniram com a então candidata Dilma e impuseram algumas condições a ela, para retirarem a campanha contra ela de suas Igrejas. A que ponto chegamos? 
Os candidatos podem ser a favor ou contra isso ou aquilo, estamos num país livre. As religiões podem instruir seus fiéis, mas não os manipularem. As religiões podem sugerir propostas e criticar os candidatos, mas não os chantagear. 
Será que só está em jogo o valor da vida humana? Tem algo por trás desse messianismo que se alastra?
 

Hans Henrique da Silva Pereira

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