A Interdição do Direito de Pensar
Tenho a impressão de que o mau hábito de se contentar com o conhecimento superficial das coisas tem adquirido cada vez mais seguidores. A leitura decaiu há séculos. Apelamos a traduções para tudo. Nossos colégios mal e mal ensinam português, que dizer das línguas estrangeiras: aprendemos meros rudimentos de inglês ou espanhol (aprender as duas seria um luxo). Em algum momento no passado, alguém resolveu supor que não precisaríamos das sinapses que só o aprendizado do latim seria capaz de formar. Leitura de clássicos da antigüidade, nem mesmo em traduções, afinal, para que diabos nos serviria o tal do Sêneca, quem se importa com o abobado do Platão? Por que expor os delicados neurônios das criancinhas a pensamentos ultrapassados e inúteis? Que importam obras que só teriam o mérito de incentivar as pessoas a desde cedo trilharem os caminhos mais refinados do pensamento humano? Não somos realmente instados por nosso mundo a pensar, pois que não há qualquer preocupação de nos dotar do aparelho teórico-prático suficiente para tal. Somos pouco mais que macaquinhos treinados a executar tarefas. Desenvolvemos uma prática destinada a cumprir uma função remunerada pela sociedade e só. Ninguém quer trabalhar com a hipótese de que um determinado cérebro possa também ser útil em terrenos mais abstratos. O abstrato não tem banda larga, não se compartilha no e-mule, não pode ser baixado em mp3. O abstrato não é um formato de arquivo aceito pelo iPOD. O abstrato é demorado, pode exigir anos de reflexão, mas quem é que agüenta esperar tanto tempo pelo download de um arquivo? A tecnologia da manipulação de informações tem avançado muito nos últimos vinte anos, às expensas de um generoso sacrifício da mente humana: do sedentarismo físico, avançamos a largas passadas para o sedentarismo mental.
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