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A Reforma Psiquiátrica e o Combate à Simulação

A Reforma Psiquiátrica e o Combate à Simulação
Os riscos de ser repetitivo são enormes, mas a minha vida é um tacanho samba de uma nota só: apesar de todo o esforço da previdência social em coibir as fraudes, a simulação da doença mental ainda é um grande negócio. E é um constrangimento para os pacientes, que sofrem duplamente, pela doença e pelo descrédito de que se tornam alvo. Recentemente, uma paciente esquizofrênica entrou em surto agudo, com risco grave de suicídio, logo após um exame pericial que, com poucas perguntas, decidiu que ela estava apta a receber alta. Ora, um mês depois de haver recebido essa alta do INSS, não me perguntem como, o mesmo INSS a aposentou. Aposentadoria por invalidez supõe um déficit incapacitante e irrecuperável. Esse déficit estava presente no momento em que foi dada a alta. Por que não aposentaram ela antes?
A resposta pode estar em duas frentes. Por um lado, há uma crença quase sobrenatural de que com poucas perguntas, ou mesmo nenhuma, e um atestado, está pronta a perícia. Isto pode ser verdade para uma perna quebrada. Mas como é que um perito poderá determinar se um segurado sofre mesmo de um transtorno mental sem entrevistá-lo?
Todos os manuais de medicina legal ou de psiquiatria forense certamente indicam que para se desmascarar um periciando que está tentando fingir uma doença mental, é preciso entrevistá-lo e fazer muitas perguntas, pedir por detalhes e descrições precisas, ouvir longamente o relato, se necessário em mais de uma entrevista. Simular um transtorno mental dá trabalho e cansa. Cedo ou tarde o simulador cairá em contradição, essa é a esperança. Nem sempre isso se realiza, mas se há algum caminho para separar os malandros daqueles que estão realmente doentes, este caminho passa por entrevistas completas e exaustivas. Nenhum atestado ou exame substitui a avaliação pericial, especialmente quando estamos diante da hipótese de um transtorno mental.
Outro recurso seriam as testagens psicológicas e estudos sociais, os quais poderiam trazer preciosos subsídios para a composição de um quadro mais próximo à real situação do periciando. A falta de tempo e esforços dispendidos nas avaliações acaba gerando uma falsa impressão de que todos são simuladores. Isso provoca inúmeras recusas de benefício e altas, muito justas no caso dos simuladores, mas com o risco potencial, confirmado na prática, de prejudicar pessoas verdadeiramente doentes.
Não sei se o que tenho constatado é generalizável para o resto do estado, ou país. Preciso é que se diga que há muitíssimos peritos excelentes que fazem um trabalho de alta qualidade. Mas creio que mesmo os bons estão tendo o seu trabalho prejudicado, e aí é que entra a segunda parte da história.
A demanda de segurados por exames periciais é alta, o que talvez sobrecarregue os peritos: como levar 1 hora e meia fazendo uma entrevista, se na sala de espera estão mais 15 esperando para serem examinados? Outro absurdo é a falta de segurança. Ser perito do INSS é ter que conviver com toda a sorte de ameaças, de agressão e de morte. Sabemos mesmo que têm havido assassinatos de médicos peritos em alguns estados. O Rio Grande do Sul é campeão nacional de agressões a médicos peritos. Como alguém pode exercer seu trabalho com tranqüilidade nestas condições? Para que o médico perito possa desempenhar seu trabalho com objetividade, lançando mão de todos os recursos técnicos de que dispõe, é necessário que esteja seguro. Não é humano que se espere de alguém o melhor de suas capacidades, sabendo que este alguém está ameaçado de morte caso cumpra com o seu dever.
Ao mesmo tempo, urge que a sociedade rio-grandense tome alguma providência para acabar com as simulações, pois os doentes mentais que necessitam de auxílio são muitos e o Rio Grande do Sul carrega outra triste marca nas costas: somos campeões nacionais em número de suicídios por 100.000 habitantes. Há muitas pessoas no estado que necessitam de apoio. Não podemos deixar que os simuladores, além de tomarem dinheiro público, ainda condenem por tabela os doentes mentais a serem vítimas do descrédito e da falta de recursos. Combater a simulação de transtornos mentais também é promover a reforma psiquiátrica, bem como defender os justos direitos de todos os portadores de sofrimento psíquico.
abraços,
Luiz Eduardo

Luiz Eduardo Ulrich

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