Sedação
Sombras invencíveis permeiam minha alma, pesada neblina me cobre a mente. O torpor de todos os sentidos me amordaçou. Minhas reações já não têm graça, nem cor, nem vida. O meu falar faz-se queixoso, monótono, insosso. Até os meus gritos são tíbios, inaudíveis. Toda expressão de mim faleceu.
E vá tentar mover-se assim, estranho de si mesmo! A muito custo escorrego os pés, qual idosa tartaruga. Os pensamentos fluem, eu nem sei como. Resquícios de tudo o que sei viram discurso. Este, com cem mil anos de atraso, vira fala. A fala emergente, a ouço com espanto. A voz tremida e incerta, as pausas, a lentidão, a tontura, os bocejos, tudo em mim é estranhamento. Tudo que sai de mim é lasso.
Finalmente, em meio à frouxidão, as idéias resolvem tomar rumo próprio. Lento, mas próprio. O tal do Nietsche era um bagual dos bons. Mas quando inventou aquela tal estória: “o que não me mata, me fortalece”, é certo que desconhecia as propriedades de um bom derrame cerebral. Vivos enfraquecidos, ou viva os enfraquecidos! Fracos empertigados, duelo de Titãs sem nenhum valor. Titãzinhos, na verdade. O apego ao sofrimento ocasionalmente é enganoso.
Há aqueles indivíduos que buscam alívio de suas dores, mas sem saber fazem de tudo para perpetuá-las. Super-sofredores. Os supermercados perderam sua posição para os hipermercados, assim como os megabytes para os gigabytes (e estes para os terabytes). Os seres humanos não sabem ficar quietinhos. Exceto no inverno, no qual é preferível ficar quietinho, num quentinho cantinho.
Um cisquinho de euforia! Meu reino por um cisquinho de euforia! Baforadas químicas de lirismo, pesadelo das paixões mundanas, abismo satânico da moral e cívica! O vinho das causas urgentes tem cor de sangue e aroma natural de uva. Avante, estúpidos leões de meu coração! Coragem, pensamentos patéticos de exaltação!(…)
Com licença, senhores, há túrgidas terras arfando por serem conquistadas! Para o alto e avante!
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