Vamos brincar novamente com aquele conceito de resumo da obra do autor. Se literatura, ereção e Israel pode ser [maléfica e reducionistamente falando] um resumo interessante para a obra de
Philip Roth [olha outro judeu aí!], a obra de Auster, até o presente momento, tem encontrado em uma única palavra o seu resumo: coincidência. A fixação do autor pelo tema da coincidência, do acaso transformando vidas e de personagens que se deixam fascinar – da mesma maneira que o autor – pela “mão do destino” a lhes guiar os passos chega às raias da repetição. A coincidência para Auster e seus personagens tem tanta importância quanto na história de Flitcraft, de “O Falcão Maltês” de Dashiel Hammet. Este personagem de Hammet, homem comum, norte-americano, que, um belo dia, ao escapar ileso do acidente de um andaime que, desabando, quase o atinge a cabeça, crê que escapou da morte para recomeçar sua vida novamente. Sem se importar com maiores providencias, decide que não pode mais viver como antes e muda-se de cidade para iniciar uma vida nova. Vê aquele ato como um “aviso”, uma mensagem do destino para mudar sua vida – não importando a conseqüência dos seus atos, é um homem que acredita totalmente no invisível, crê naquilo que não é possível explicar racionalmente, mas toma aquilo como rota segura a que se agarrar.O tema é explorado da mesma maneira em
O Livro das Ilusões. A “coincidência” que o autor guarda neste romance é a seguinte: após cair em profundo estado de tristeza, chegando a pensar no suicídio, por ter perdido esposa e filhos em um acidente de avião, professor universitário se deixa fascinar, ao acaso, por um antigo comediante, misto de galã e palhaço de películas antigas, Hector Mann, que descobre em uma de suas tantas madrugadas insones, zapeando pelos canais de televisão. O consenso geral é de que o ator já é morto. Como resta ao professor descobrir um maneira não-dolorosa de gastar a fortuna que ganhou de indenização pela morte da esposa, ele acaba tomando como projeto uma biografia de Hector Mann. Assim, percorre várias cidades à procura de dados sobre o ator, assitindo a filmes antigos e raros, empreendendo uma verdadeira maratona para esmiuçar a vida de uma celebridade pouco conhecida e da qual quase todos se esqueceram. Uma séria de coincidências vai atar sua vida à do ator e só será surpresa para ele mesmo quando descobre que Hector está vivo. As tentativas de reviravoltas, coincidências e “obras do acaso”, se sucedem em tão grande quantidade, e de maneira tão gratuita e aleatória, que, longe do fascínio com que tal tema surge em “Noite do Oráculo”, por exemplo, se tranforma aqui em fato corriqueiro, em detalhe que pode aparecer a cada virada de página. Quase um Deus Ex-Machina a levar pela mão o protagonista.Mas Auster gosta deste recurso. Gosta tanto – e, por motivos que, descubro agora, lendo
A invenção da solidão, são pessoais (afinal, neste livro de memórias esparsas, o autor analisa a figura de seu pai e sua própria condição de pai e descobre um fato incrível na história de sua família) – que ele surge, novamente, em Leviatã.O que poderia parecer a descoberta de um personagem perdido em um ideal de vida, se transforma na casuística concessão ao acaso. O acaso guia a vida de Ben Sachs ao seu bel prazer e ele se deixa levar, achando que as “pistas” que encontra pelo caminho são as provas irrefutáveis de que deve seguir por tal rumo; sente-se quase com em uma “missão”, uma causa nobre – tremendamente boba, na realidade – a guiar-lhe os passos, caindo em infelicidade, e achando que está fadado ao fracasso, irremediavelmente. Como se não lhe coubesse fazer de sua vida o que bem entendesse, mas fosse vitimado por tal sucessão de ações que lhe vão atingindo.
Ocorre, desta maneira, a criação de personagens pouco profundos, facilmente moldáveis aos desejos do “destino”, quase todos muito semelhantes em seu apego a aceitar o que lhe é impingido e a julgar que as rédeas de suas vidas não estão em suas mãos, mas que devem ser passíveis para aceitar – para o bem ou para o mal – o que o “acaso” [oh, este deus maléfico!] lhes oferece.
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