Se culpa e redenção são dois temas sempre tão em voga no cinema norte americano, não é pegando leve e nos oferecendo traminhas água com açúcar que se conseguirá chegar a algum resultado digno de admiração. Já não são poucas as produções que optam por tal caminho fácil, tática deprimente para se conquistar emotivos no cinema e lágrimas e atuações “vigorosas” adoradas pelos cartolas que, ao final das contas, concedem estatuetas para tais preciosidades.
Lidar com temas polêmicos é outra coisa que não é fácil de se fazer, mas é bem provável que se todos que se aventurarem pelo gênero utilizarem da mesma simplicidade e boa dosagem que a estreante em longa metragem Nicole Kassell utilizou para realizar o seu O Lenhador ( The Woodsman, EUA, 2004), mais e mais produções com tão bom gosto poderão irromper em próximas estréias.
O Lenhador é um filme polêmico pelo simples fato de lidar com um tema tão execrável que é a pedofilia. E mais, é o protagonista o pedófilo que acabou de cumprir doze anos de cadeia por bolinar garotinhas. Ele é Walter, tocantemente interpretado por Kevin Bacon por motivos que poderiam tanto incluir seus pequenos tiques que revelam gestos além, olhares perdidos e ações minimalistas. Mas definitivamente, foi pela escolha pela concisão que o ator mais acertou. Ao não encher de delírios redencionistas o seu personagem, o que temos vendo Walter é um homem infeliz querendo se livrar de suas taras depois de pagar à sociedade por um dia as ter levado à tona. Conta com a ajuda de um psiquiatra com quem às vezes, segundo suas próprias palavras, conversar “parece andar num carrossel”, uma vez que suas indagações sobre a possibilidade de se tornar um homem “normal” são respondidas com questionamentos sobre o que para Walter é, afinal, a normalidade.
Para tentar se reintegrar à sociedade, Walter passa a trabalhar em uma madeireira. A alusão ao título se dá de duas maneiras que se completam. Um dia, após receber a visita vigilante que passa a se tornar eventual do Sargento Lucas, policial interpretado por Mos Def (rapper que atuou em Uma Saída de Mestre , com Mark Walhlberg e Charlize Theron), que odeia pedófilos e insinua mais de uma vez que Walter não deveria ser reintegrado à sociedade, este lhe relembra a história de Chapeuzinho Vermelho, lamentando o fato de que, ao contrário da fábula, em que o lenhador cortou a barriga do lobo para libertar a Chapeuzinho, “o mundo não tem mais lenhadores”. Ironicamente, Walter corta madeiras na madeireira, ainda que com serra elétrica.
Não há compaixão por parte da diretora para com seu personagem. Da mesma maneira que não há quando seus colegas de trabalhos vêm a saber sobre Walter (através do ardil de uma secretária que sente-se preterida em suas intenções amorosas para com Walter, e após descobrir o seu passado espalha sua ficha de crimes pela madeireira). A família de Walter não quer mais saber dele. Sua reclusão só é minimamente reduzida pela presença de seu cunhado ( Benjamin Bratt ) que, ao contrário de sua esposa, irmã de Walter, ainda se faz presente.
Tal fuga de estereótipos, tal opção pelo caminho não óbvio da mágica redenção nos possibilita que, em determinado momento achemos que Walter pode simplesmente se entregar novamente à nova recaída. A cena em que adentra o bosque, tal qual Lobo Mau, atrás da indefesa Chapeuzinho Vermelho, é sintomática desta possibilidade. Quando observa a ação diária de um pedófilo na escola infantil em frente à qual mora (mais esta tentação a lhe provocar…) é que vemos que talvez esteja ali – no prático auxílio que com seu conhecimento possa contribuir – a sua real chance de redenção, mesmo que o caminho maior seja tortuoso e nem um pouco rodeado de flores.
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