Simplicíssimo

O puteiro dos horrores – Capítulo IV

A mulher me chamou com a mão. Aliás, com a mão, não, com a unha do indicador, de uns dez centímetros de comprimento.

Senti um arrepio no extremo sul da minha coluna vertebral.

A outra sala era menor, mais aconchegante.

Uma sala reservada. Numa das paredes havia um cartaz escrito: "Relaxa, senão não encaixa". E outro: "Fiado, só no dia em que o Brasil sair da merda". E mais outro: "Judia de mim, judia!"

Ela parecia bastante com a Toinha (esse era um apelido carinhoso que eu havia dado a ela há trinta anos).

Alta que nem a Tonha, devia ter 1,90m (nos velhos tempos quando eu dançava com a Toinha, eu encostava o rosto nos seios dela e não no rosto).

Também devia ter uns cinquenta anos como a Toinha teria agora.

Mas alguma coisa não batia.

Ela me saudou alegremente:

– Oi, Pintinho de Ouro! Há quanto tempo!

Eu fiquei na ponta dos pés e beijei-lhe os velhos lábios.

– Oi.

– Vamos ouvir alguma coisa?

– Vamos. Tem ai aquela música "linda, meu bem, que será ocê não tem"?

– Claro. Vou pôr o disco.

Acendi um cigarro pra mim e outro pra ela.

Subitamente ouvi um ruído de trás de um sofá.

Fui ver.

Era um caixão se abrindo. Lentamente.

(Comecei a tremer da cabeça aos pés.)

E a verdadeira (percebi na hora) Tonha apareceu.

– Olá, Pintinho! Há quanto tempo! Mulher, pode ir, vá… – ela explicou – É a minha clone. Eu estava com uma ressaca desgraçada e enquanto eu descansava a Tonha II me substituía. Por que você está tremendo assim? Mal de Parkinson, ou é excesso de cachaça mesmo?

– Não, Toinha, é a emoção de te ver novamente.

– Vem cá, meu preferido, me dê um beijão…

Prendi a respiração pra não sentir o seu mau hálito, mas não foi preciso, ela agora estava usando dentadura. Graças a Deus.

– O que você anda fazendo, Pintinho? Ainda é gigolô e metido a escritor nas horas vagas? Tem algum poema novo aí? Ditoooo! Traz pinga pra nós aqui.

– Não, agora eu estou vendendo produtos eróticos, Tonha. E também larguei de escrever essa merda. Não dá camisa pra ninguém.

– É mesmo? Você agora vende aquelas coisinhas eróticas? Tem alguma aí com você? Você tem camisinha de língua, tem?

– Estão lá fora no meu carro, Toinha.

– Ai, querido, quaaanta saudade! Você se lembra das loucuras que fazíamos?

O barman trouxe um litro de cachaça. Bebi metade de uma vez.

– Claro, Tonha. Me lembro daquela vez em que nós transamos andando de bicicleta…

– Se lembra daquela suruba?

– Que suruba?

– Ah, aquela em estávamos você, eu e uma tartaruguinha. Se lembra?

– Ah, sim, claro. E aquela outra, com você, eu e uma abóbora gigante?

– Hum, nem me fale.

Nisso, a Tonha ficou muito séria.

– O que foi? – perguntei.

– Sabe, Pintinho de Ouro, que eu nunca esqueci de você?

Notei nela um olhar cheio de paixão e de voracidade.

– Eu também não me esqueci de você, querida – eu ri.

– Estou falando sério.

Comecei a ficar com medo.

– Você se casou?

– Não, Tonha.

– E por que?

– Acho que porque eu nunca me esqueci de você…

Por que eu fui falar isso?


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João Batista dos Santos

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