Simplicíssimo

Filosofia para Rico é Pior que a Filosofia para Pobre

Todos no Brasil sabem que o produto oferecido para o rico é melhor que o “equivalente” oferecido para o pobre. O modo moderno de produzir as coisas que consumimos aprendeu algo chamado “diversidade”. Tudo que o rico consome de bom em seu supermercado luxuoso existe, como “fake”, na prateleira do supermercado da esquina da favela do pobre. A mesma coisa ocorre com o ensino. Antes o pobre que queria o ensino superior fazia uma faculdade, o rico fazia universidade. Agora ambos fazem universidade, embora a do pobre seja a UNIBAM e similares. Todavia, para espanto meu, eu descobri um produto no Brasil em que ocorre o contrário: filosofia.
 
Vejam só. Caso você não possa pagar, você tem a filosofia da USP. Ela não é mais como antes, pois seus professores são jovens e, enfim, sabemos dos problemas por que passa o ensino público. Mas é algo que ainda fazemos de modo que não é um “fake”. Caso possa pagar você recorre a uma PUC-SP ou um Mackenzie. Não é uma mensalidade absurda, no caso da filosofia. Mas se você pode pagar muito e é rico, você fica com o “fake”. Onde? “DASLUSP”. É um local em que professores aposentados fingem que falam sobre filosofia, e senhoras na faixa dos cinqüenta anos – mas aparentando mais –, imaginam que estão entendendo alguma coisa de filosofia. Esposas de médicos que vão ficar no hospital até mais tarde (com as enfermeiras) e que, enfim, não podem mais ver a cara delas em casa, recomendam: “vai, vai lá na DASLUSP”. Esposas de maridos ricos que já optaram, sabiamente, por suas secretárias mais novas ou coisa parecida, em geral, é o que não falta ali. Elas são … “estudantes”. Sim! Elas dedicam a vida, agora, à cultura. Elas lêem filosofia. Ou melhor, elas compram livros – mas não lêem. Todavia, todas elas já possuem cadernos e cadernos preenchidos. Copiam falas dos professores que, enfim, já não estudavam mesmo faz tempo e, então, estavam fora do debate filosófico. Restava a eles o quê? Reproduzir, em um nível “fake”, o que fizeram durante 40 anos na universidade, de um modo “semi-fake”.
 
Para as dondocas, eu acho que é um divertimento merecido. Afinal, o que fariam? Ficariam comprando coisas? Elas já empilharam bugigangas em casa – não há mais espaço. Além disso, a maioria delas teria de comprar roupa para neto e não mais para elas próprias, dado que os manequins daquele porte não existem em todos os shoppings. Ora, sair para comprar coisas para netos tem um limite! Mas para os professores que terminaram a vida assim, será que é bom? Creio que é algo deprimente. Mesmo que dê algum dinheiro (dinheiro, outras coisas dariam) deve ser algo bastante frustrante pegar um livro de filosofia, de hoje, não entender absolutamente nada (pois a filosofia contemporânea mudou vertiginosamente), e então ter de ensinar a filosofia que arrumou nas suas fichinhas de mestrado e doutorado, para ir lá, nesse local onde reina a imbecilidade, transformar aquilo que se achava sagrado em pura conversa fiada. É uma dupla derrota. Derrota quando se vai em uma boa livraria. Derrota quando se vai para esse tipo de sala de aula. No final, professor e alunas se igualam: ambos já só compram livros, não podem lê-los. Uns professores ainda tentam se salvar agarrando as tetas do governo ou de velhas ideologias e partidos mortos. Mas percebem que isso também tem vida curta, e começam a olhar para a DASLUSP como “bem, é o menos pior que pode me acontecer”. E quando os cabelos brancos chegam de vez, eis que o local onde há várias esposas de médicos é até interessante, pois há a possibilidade de se conseguir dessas mulheres alguma receita grátis para o anti-depressivo diário.
 
O Brasil gerou isso, esses lugares onde senhoras ricas freqüentam para “aprender” filosofia. Esses lugares em que aqueles que perderam o pé da discussão filosófica internacional ministram aulas “fakes” para tais senhoras, de modo a não se sentirem inúteis. Em ambos os casos, o destino era o chinelo e o roupão caseiro, na TV. Mas conseguiram escapar disso criando esses espaços que, agora, já não é mais novidade em São Paulo somente, mas também no Rio de Janeiro. Em lugar nenhum do mundo eu vi esse fenômeno. É uma criação brasileira. Aqui no Brasil há um produto para o pobre que é melhor e mais barato do que o produto que seria o equivalente, para o rico: filosofia. O Brasil não é realmente fantástico?

Paulo Ghiraldelli Jr.

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