Algumas verdades de polichinelo estão sendo reveladas na filosofia e na história sobre biografias. Mas os jornalistas não sabem disso; não sabem que elas são “verdades de polichinelo”. No final do ano, veio a conversa sobre o “verdadeiro nariz de Aristóteles”. Escavações encontraram um busto de Aristóteles em que seu nariz não era o “nariz grego” de outros bustos do filósofo. Haveria aí uma novidade? Caso déssemos atenção aos textos, não. Aristóteles veio de Estagira e, pela localização da cidade, deveríamos desconfiar que ele não poderia ter feições das cultuadas estatuetas gregas com nariz apolíneo. Um nariz adunco lhe caberia melhor. Assim, a novidade da descoberta sobre o novo nariz de Aristóteles não deveria ter causado muito estranhamento. Mas os jornalistas não sabiam disso. Agora é sobre a beleza de Cleópatra. Os jornalistas andaram escrevendo que uma moeda recém mostrada, da época, indica Cleópatra não tão bela quanto Liz Taylor, que a representou no cinema. Então, na nova descrição, fala-se de um queixo pontiagudo e nariz também pontiagudo. Ora, mas é assim mesmo que a história a descreveu. Aliás, não precisaríamos ir tão longe. Os jornalistas saberiam disso se tivessem lido ao menos o Asterix. No episódio sobre Cleópatra o nariz e o queixo dela são colocados como pontiagudos. A beleza dela não é propriamente beleza, ela chamava a atenção pelos traços exagerados – e isso o episódio do Asterix fixa bem. “Que nariz!” – dizem os personagens. Mas o nariz não é belo, é pontiagudo. Era exótico, não belo. Ou belo para Marco Antônio, que deve ter gostado do exótico – e do reino egípcio. Os jornalistas sempre foram acusados de serem superficiais. Não é apenas um defeito atual. Os velhos jornalistas também faziam o mesmo. Por exemplo, agora que comemoramos “dez anos sem Paulo Francis”, podemos lembrar o quanto ele citava sem conferir e, muitas vezes, apenas inventava notícias. Por exemplo, outro dia o Marcelo Coelho da Folha disse que o “Romeu e Julieta da Arqueologia”, encontrados recentemente, cuja foto foi divulgada no mundo todo, lhe dava uma fantástica idéia: lhe veio à mente o poema “O noivado do sepulcro”. Ora, mas isso todo mundo lembrou e colocou na NET. Aí ele abre a NET e, na cara de pau, diz que aquilo lhe “ocorreu”, e não que ele pegou ali da NET! O jornalismo pode ser melhorado? Pode deixar de ser fofoca política e distribuição de mentiras? A própria NET e o fato de quem não é jornalista poder produzir as informações para além das corporações jornalísticas podem ajudar muito. Por isso os jornalistas velhos estão desesperados: ou eles manipulam também a NET, com sabedoria, ou vão perecer. Não vão poder mentir tanto. Mas o problema não é só a mentira. Como apontei no início, o problema também é de falta total de critérios críticos. Veja, uma vez assisti uma palestra de um jornalista já “antigão” do grupo do Estadão. Ele disse que ele não caía na conta da NET, que não caía na conta da Wikipédia. Que ele, quando queria saber a verdade, consultava livros, enciclopédias em bibliotecas não virtuais! Veja só, o jornalista pensava, de modo tosco até, que as enciclopédias da NET não são os livros e, pior, imaginava que nos livros há a verdade, pois ali “não houve manipulação”. Ou seja, o livro teria sido feito pelos deuses que tudo enxergam e sempre falariam a verdade, não pelos homens. As regras mínimas de críticas às fontes não eram conhecidas pelo jornalista. E ele escancarou isso em palestra. A platéia trocou olhares, é claro. Poderíamos melhorar isso, mudando um pouco o ensino do jornalismo?
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