Simplicíssimo

O papa acerta o tiro

Há quem diga que este novo Papa está “fora da realidade”. Bento XVI não seria um “João Paulo II”. Será?
Em todo lugar que Bento XVI chega, ele desagrada algum grupo. Quando olha para o Oriente, ofende muçulmanos. Quando vem para o Ocidente, deixa até mesmo índios, sempre tão passivos, irritados. De resto, ou fala de algo que quase ninguém sabe o que é, como no caso do que virou manchete da Folha, sobre a condenação ao “capitalismo e ao marxismo”, ou fala de coisas tão aparentemente fora de moda – como condenação de práticas sexuais comuns e a não aceitação dos gays – que às vezes imaginamos que estamos diante de um verdadeiro alienígena. Tudo que o Papa fala é antiquado ou reacionário. Sua parte menos atual, sobre costumes, vive na Idade Média, sua parte mais moderna, sobre política, não atravessou os anos cinqüenta do século XX e vive na Guerra Fria. Então, para escolarizados da minha idade, há a forte sensação de que esse Papa é o último Papa, e que a Igreja, depois dele, perderá os últimos fiéis que tem no mundo.
Mas essa avaliação poderá ser um dos maiores erros de determinadas pessoas da minha geração. Bento XVI atira no que vê (ou pensa ver) e acerta no que não vê (ou aquilo que nós achamos que ele não vê).
Bento XVI pode não estar errado em ser duro com adversários filosóficos. Não devemos nos esquecer que em uma maré bem pior para as forças conservadoras, João Paulo II também foi duro com comunistas – os adversários filosóficos de seu tempo. Agora, Bento XVI está sendo duro com as religiões que ele chama de “orientais”, uma rubrica que ele usa para todas as religiões, exceto o cristinianismo e o judaísmo. Mas, ele sempre foi duro. Deveria ser menos duro agora, que é o Papa? Não foi esta a lição que ele aprendeu como guardião da doutrina da fé na época de João Paulo II, e nem mesmo foi isso que aprendeu do próprio João Paulo II. Ele aprendeu que o “bateu, levou” é bom, mas teve mais sucesso ainda com o “só bato, não levo”. Pois Bento XVI mostra que mesmo quando ele se desculpa, ele o faz após ter dividido a cena, após ter dividido opiniões, e com isso ela deixa claro sua missão: “vim para semear uma distinção no mundo – há os meus fiéis e há os ‘outros’” – é assim que ele pensa. É assim que ele age e fala. Mas, será que ele está errado, em um mundo onde todos os outros cresceram fazendo isso? Enquanto João Paulo II, já velho, apenas comemorava os seus grandes feitos, ou seja, o de derrotar o comunismo e ajudar a reescrever o mapa do mundo, várias religiões cresceram tomando fiéis dos católicos na medida em que usaram da força. Pode ser que ele esteja exatamente fazendo com que um grupo grande de católicos encontre uma palavra para voltar a se ver como a ala mais nobre do Céu. E um grupo orgulhoso de si mesmo sempre pode atrair mais gente desesperada por ser reconhecida como pertencente a alguma “entidade maior”.
Bento XVI pode também não estar errado em apostar no reacionarismo de costumes. Afinal, não foi apostando nisso que todas as outras religiões cresceram nos anos noventa? Vejamos o Brasil. Aqui, todo jovem hoje tem uma religião. Os jovens, hoje, não são mais como os dos anos sessenta ou setenta, quando víamos a religião como uma “babaquice”. Não, os jovens acham que realmente é importante não só “acreditar em Deus”, mas de fato ter uma religião, uma doutrina que não explica nada, mas que diz a eles o que é certo e o que é errado. Nunca o mundo viu uma juventude como esta, tão capaz de abaixar a cabeça para donos de templos e tão imbecilizada a ponto de não conhecer nenhuma virgem, mas acreditar que o casamento tem de ser com virgens. Bento XVI, ao usar uma retórica conservadora, pode realmente estar apostando de modo correto para conseguir o aumento de fiéis, que é, afinal, a única coisa que importa em toda e qualquer religião.
Esse novo Papa pode estar funcionando, especialmente para o Brasil, como Fernando Collor de Mello funcionou. Collor era um reacionário, um pseudo-culto, não sabia direito o que fazia, mas acertou, ao menos para ganhar a eleição. Cada bobagem que dizia tinha eco social maior do que ele inicialmente esperava. Assim é o Papa. Só para se ter uma idéia: há grupos de jovens gays, hoje, que acreditam que o Papa está certo ao falar contra os gays. Eles acreditam que o Papa não está falando contra eles, mas sim contra as “bichas loucas”, aqueles que vão na Parada Gay ou que andam “feito mulher na rua” ou que “se deixam prostituir”, etc. Muitos gays em igrejas evangélicas pensam assim de seus pastores. Acreditam que seus pastores não os recriminam por serem gays, mas apenas se eles vierem a “fazer coisas gays”. Eles tendem a voltar a ser católicos diante de uma investida do Papa contra “permissividades” com as quais eles não concordam, ainda que alguns se martirizem por conta disso, enquanto que outros podem usar de uma vida dividida para acompanhar o cotidiano e, enfim, obedecerem os líderes religiosos. Como todo Papa, Bento XVI parece ter uma sensibilidade para o sentimento que anima as pessoas a procurar uma religião. As pessoas precisam de amparo. Bento XVI parece saber que um pai autoritário, reacionário, durão, é tudo que várias pessoas que buscam amparo querem ter. E ele não foge de fazer esse figurino. João Paulo II, antes de se tornar “pop” e de virar um “velhinho bonzinho”, também foi assim. Muitos se esqueceram disso por causa de que João Paulo II teve um reinado longo. Mas que ele não foi “flor que se cheire”, não foi.
O Papa que veio ao Brasil não é um derrotado. Seu catolicismo perverso, duro, feito por uma doutrina aparentemente caduca, pode ser a salvação da Igreja Católica.

Paulo Ghiraldelli Jr.

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