Simplicíssimo

Adelaide

Adelaide. Seu nome já era prenuncio da idade, da sua maquiagem pesada, de suas roupas exageradamente jovens e gírias forçadas, por uma busca de uma juventude fútil e pífia. Tentava em vão, pois a despeito de seu corpo ainda muito magro para alguém que passou dos quarenta, seu corpo estava marcado pelo tempo.

Ela, com seu metro e sessenta de altura, salto, bermudinha risca de giz e camisa social, evidentemente feminina, tinha rugas por todas suas mãos e peito do pé, a pele do rosto era artificialmente lisa de forma gritante, ao ponto de ficar feio e seu cabelo cumprido não mais escondia suas raízes brancas, à prova de tinturas.

Mesmo ciente de todos os indícios do tempo sobre ela, mesmo ciente que à sua volta todos riam dela, diante do mundo ela era aquela fortaleza juvenil de uma feminilidade forcada, quase travesti: ‘to passada, mona! Menina deixa eu te contar do bofe-tu-di-bom que vi na baladinha’, e assim por diante.

Ela era, claro, contadora, alguém como ela só poderia ter um dos empregos mais chato do mundo. Ela tinha um gatão chamado Simão a quem amava como um namorado, e namorado mesmo não tinha não, aliás era como "seu namorado" que ela se referia ao seu ‘gato’, para amigos descartáveis que fazia pelas baladas. Era assim, até o dia que seu gato saiu de casa uma noite e não voltou mais. Ela também não o procurou de novo, mas continuou a renovar a água dele, todas as manhãs, num misto de esperança de volta e rotina mecânica.

Sua vida de dona de casa e consumidora era puro reflexo de sua personalidade ‘excêntrica’: relapsa, impulsiva nas compras, mas com seu salário só podia comprar porcarias. Sua casa era um reino de enfeites distintos, todos de má qualidade e de louças desparelhas com talheres de cabos plásticos encardidos e queimados pelo mau uso deles direto no fogão.

Adelaide trabalhava, estudava, morava sozinha com seu gato num apartamento na General Ozorio e chorava copiosamente, sem motivo aparente, de quando em quando que estava só. Chorava, soluçava, encharcava suas mangas de lágrimas salgadas e ranho. então parava, respirava e voltava à rotina. Definitivamente, Adelaide não era mais que uma Macabeia. Uma Severina. E estava ciente da sua própria nulidade. Por vezes a ignorância pode ser uma benção. Para ela, era um alívio quando, comprando suas inutilidades, esquecia de sua própria não-importância para o mundo, e era feliz.

Luiz Emanuel Campos

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