E quem um dia irá dizer,
que existe razão,
nas coisas feitas pelo coração,
e quem irá dizer, que não existe razão…
Eduardo olhava-a como se fosse a primeira vez que a visse, parecendo esquecer-se que naquela noite completavam vinte e cinco anos de casados. A Carol estava na casa doa avós aquela noite, dando sossego e intimidade ao casal apaixonado. Quanto significado e quanto já não viveram, ele e Mônica, um casal como o da música, mas de papéis trocados, como sempre completam os amigos.
Em pensar que tudo nasceu de um beijo fortuito, dado numa estação de metrô, quando as paqueras poderiam ocorrer de uma estação a outra, num momento em que ainda eram algo entre amigos e amantes. Apenas um beijo, mas um beijo cheio de significados, era mais que a demonstração mais pura que um amor pode carregar, mas havia culpa também, uma enervante incerteza e medo de perder uma preciosa amizade num momento de paixão, num arroubo de emoção sobre a razão. E no fim foi o beijo que os marcou pelo resto da vida. Algo como a banda The Verve descreve em “bitter sweety simphony”, sofre a sinfonia do amargo-doce. Seja como for, sem dúvida algo nasceu ali.
Eles erguiam suas ‘champagnas’ no presente, mas Eduardo estava com a cabeça naquele beijo. Quis o destino que eles fossem para empresas diferentes nas semanas seguintes. Justo eles, melhores amigos e que te trabalhavam mesa a mesa no serviço. Justo quando um completava as piadas dos outros. Eduardo, mais crédulo, ainda achou que fosse algum sinal, alguma provação. Se a amizade resistisse e continuasse crescendo, então era por que tinha que ser. Mônica achou o contrário, era um sinal que não daria certo, era Deus impedindo que uma dor maior ocorresse.
E assim separaram-se. Neste intervalo os telefonemas freqüentes logo viraram almoços forçados, até que os dois lados sumiram completamente um para o outro. E ele foi fazer alemão, melhorar de inglês e correr atrás da carreira desejada, o que sobrava de tempo estudava, o que sobra de dinheiro, guardava para a nova vida. E ela continuava batalhando, já gostava do seu trabalho, só não gostava do escritório onde trabalhava, fez carreira, fez pós e fez nome.
Entre o serviço e os happy-hours, entre os casos que vinham e iam em suas vidas, ambos sentiam, sem saber que era mútuo, uma estranha saudade de um beijo dado no passado, em uma estação de metrô, em um vagão vazio e nostálgico. Mas dizem que as músicas são presentes de Deus para os homens, e assim, como diz a música do casal, foi numa festa estranha, com gente esquisita que eles se reencontraram. Eles conversaram muito para tentar se reconhecerem e se re-descobriram apaixonados, como estavam naquele vagão, ou talvez mais até.
Assim se casaram num dia quatorze de janeiro, em homenagem a uma noite de um 2004 há muito no passado, compraram um apartamento, alguns anos atrás, e tiveram a Carol, amada e esperada filha. Brigaram e reataram muitas vezes depois, mas sempre se amaram como se fosse o primeiro dia de namoro, todos os dias que se seguiram. E ainda há quem diga que há mais felicidade no mundo dos homens, e ainda há quem diga que não há razão, nas coisas feitas pelo coração…
Emanuel Campos – emanuel.campos@gmail.com
Comente!