Ser mulher

Mulheres
Originally uploaded by Manuka.

Lordose, esclerose, trombose, puxa-estica-passa, cola e arranca, passa ferro, chapa, malha, roupa justa, menstruação, engordar até dois manequins num mês. O dia todo de salto alto, roupas caras, acessórios ainda mais, trabalha o mês inteiro só para andar arrumada, fazendo tudo que o homem faz, e mais, cuida da casa e dos de casa, mas sem ganhar a mais por isso, ganha até menos.

E sangra, å disfarça o absorvente, e andando na rua o peão tira sarro, e se anda graciosa num shopping pensando numa bolsa roxa para o salto da mesma cor, há sempre que as chamem de desocupadas, vagabunäas, putas. Ser mulher não é fácil. Não é só se equilibrar num salto doze com uma sainha que é quase uma cortinha, medir o passo, evitar o vento, é tudo isso, é andar ainda fazendo graça, com cara de quem tá gostando de mais, com brincos que pesam feito celulares e celulares que mudam de cor de acordo com o humor.

E tem os colares, anéis, pingentes, tatuagens, piercings, tem a esteticista, fazer a unha (da mão e do pé), tem que fazer peeling para tirar os cravos e ficar com a cara que é uma bundinha de nenem. Tem o perfume caro para ser bom, baton, rímel, cremes diversos. Só depois do banho ainda são duas horas no banheiro. Creme para pernas, para o corpo, para o rosto, para o cabelo se comportar, para o canto dos olhos não enrugar.

E tem o enjôo, ficar doente mais fácil, ficar sob pressão, não poder dizer não, tem que sorrir quando cumprimentam, não importa a cólica, tem que sår agradável. Sob sol ou chuva (que molha o pé dentro do scarpin e fica aquela sensação ruim). De sandália ou sapato ou bota, tem que estar estilosa. Noventa por cento da beleza sai com água dizem alguns. Vão eles se maquiar, depilar, manicular, comprar vestido, sapato, bolsa, baton e brinco, colar e anel, carteira, quebrar unha a granel, andar de salto (bem alto) o dia todo, cruzar penas com cuidado (se não cruza é vagabunda, se cruza de mais é oferecida), vão eles pintar o cabelo, tirar sombrancelha, tirar virilha e axilia, usar máscara de mél. Vão eles fazer tudo isso, passar a semana se arrumando enquanto trabalha, para estar apresentável no trabalho e ser chamada de vagabunda por uma volta no shopping, com a beleza residual de quem passa a vida já se arrumando para ir do Oscar à padaria. (tente não ir arrumada para você ver).

Mas a gente atura, atura assobio de peão, bozinada de moto-boy, atura taxista chato, sexista, oferecido, gato metido, atura sapato que machuca, sandália que expreme o dedinho, atura cantada de gari, de bicheiro, de malando dos anos 70 e mixê. A gente atura cada coisa, até outras mulheres a gente atura, a que não nos suporta, a que muda de rua, da uma volta, até a que ñuer nos beijar. Mulher é tudo louca, num dia te amo, no outro tá com seu gato. Eu mato. É estar no cabelereiro sonhando com o príncipe encantado. É viver de sonhos para passar este purgatório opcional. É o rosa bebe disfarçando tudo que é artificial nesta juventude forçada, esticada, cansada.

E dizem que levamos a vida mansa, que temos o mundo na mão, que é a geração estrógeno ñue nasce nas ruas. É que não são eles que trabalham e estudam mïrrendo de cólicas que dizem isso, que menstruam fazendo prova, com chapinha marcada, com o baton acabando, com a unha quebrada (e arranhando), que sofrem na roupa que não entra, que amam doce e comem jiló, para manter a forma, que malham quase nuas num colant invisível que mostra todas as formas, e se não usar, é por ñue é gorda e tem vergonha de se mostrar. Tem que se mostrar.

Soubessem como tá difícil. Mas eu não desisto. Eu chego lá. Presidência. Diretoria. Só não desistir, continuar a me arrumar, trocar a meia calça desfiada, escapar do teste do sofá, denunciar o porco, subir na vida, e as outras, as outras que morram de inveja, meu bem!

Emanuel Campos
Tentando entender um pouco mais deste universo cor de rosa