Telenius era um sonhador que vivia da espada e pela espada, tinha que agradecer a ela cada gota de sangue que ainda podia perder. Vivia com vários iguais a ele, mas talvez não tão sonhadores. Cada semana que passava era mais uma que festejava estar vivo, pois a arena sempre podia aposentá-lo e tirar dele o que lhe mais era precioso: a visão de Efassandra.
Efassandra era filha de um dos homens mais influentes de todo império, muito do que era decidido sobre seu futuro sempre passava pelo crivo de suas opiniões. A bela Efassandra, por sua vez ia aos jogos de luta obrigada. Odiava ter que ser testemunha de tudo aquilo, sentia certo tipo de nojo de todos aqueles lutadores. Achava de enorme brutalidade entre ditos seres humanos. Certa vez conversando com sua mãe disse:
– Mamãe, porque o ser humano é tão cruel? Como pode assistir dois outros da mesma espécie se matarem e ficar feliz com isso? Será que algum dos animais é tão igualmente maldoso assim?
– Filha, o povo é apaixonado por isso. Por mim também ninguém se matava, mas não podemos mudar o mundo. Isso, creio eu, talvez continue assim por toda eternidade. Mas minha filha, você não se impressiona pelo menos com os corpos dos gladiadores? Na sua idade era o que me fazia amenizar o lado horrendo de tudo isso.
– Não mamãe, acaso ficasse sozinha em algum lugar com um deles acho que minha vontade seria correr pra bem longe, tenho horror a eles. São de certa forma assassinos, mamãe.
– Não, minha filha, nunca se esqueça que eles são também escravos e quando estão ali sabem que apenas um sairá vivo.
Efassandra então se calou e ficou pensativa.
Chegava mais uma sexta-feira, dia das preliminares dos jogos, as principais eram nos sábados. Qual seria a principal preocupação de Telenius? Se sobreviveria? Não, apenas se dessa vez Efassandra olharia lá de cima bem nos olhos dele. Seu pensamento era então interrompido por alguém bem mais presente:
– Ei, olha pra mim, não tenho muito tempo, quero como sempre te desejar meu boa sorte.
E então, Telúria como em todas as sextas dava um beijinho carinhoso no rosto de Telenius que agradecia com um sorriso desconcertado.
Mais tarde, vencida mais uma luta, já não estava tão feliz como antes. Começava a perceber que Efassandra jamais o notara. Em certo momento da luta, mais uma vez pôde perceber a expressão de nojo que ela demonstrava em sua belíssima face. Se perguntava então, pra que continuar vivo? Voltava então pra sua espécie de “cárcere”, onde vivia, andando devagar e cabisbaixo, ao mesmo tempo que era ovacionado por seus colegas.
Telúria que era uma escrava baixinha que amava Telenius fazia um esforço sobrehumano para se aproximar, até que cutucava Telenius.
– Telenius, Telenius, Telenius, meu campeão, promete pra mim que sempre vai vencer, promete, por favor!
Ele então sorria sarcasticamente após ouvir aquilo e dizia:
– Por que? por que prometeria tal coisa? Nem sei mais se quero permanecer desse jeito.
– Não, não diga isso nem brincando, não diga.
Ela era puxada dali por sua amiga que avisava que seus patrões queriam sua presença.
Dias depois ouviu rumores sobre rebelião. De tudo que ouviu concluia que estava tudo organizado para uma fuga generalizada.Pensava, pensava e decidia, não, não sairia dali. Ali, tinha certeza que iria poder ver sua Efassandra ao menos mais uma vez. Por mais que soubesse que ela era um sonho impossível o qual só fazia seu coração doer, não podia se libertar disso. Dada a hora, que eram 8 da noite, começou a testemunhar o corre-corre, do jeitinho que havia chegado a seus ouvidos. Permaneceu escondido no seu cantinho esperando tudo se acalmar, até ouvir uma voz conhecidamente doce.
– Telenius, Telenius, você não vai? Não vai aproveitar a chance? Pode ser a última!
– Não, não, porque iria? meu lugar é aqui. Meu destino é morrer na arena.
Telúria então não pensou duas vezes e aproveitou-se da situação: Jogou-se nos braços de seu amor dando o beijo mais apaixonado de sua vida. Telenius não conseguia entender, mas era tomado por uma sensação nunca antes sentida. Aquele coração batendo acelerado junto ao seu, o modo como Telúria o apertava fortemente. Nunca tinha sentido algo parecido antes. Sua cabeça já não era a mesma. Mas eis que aquele momento era interrompido.
– Pronto, me despedi, sei que nunca vou ter seu coração Telenius, mas ao menos tenho que tentar ganhar minha liberdade, mas farei de tudo pra te ver lutar.
E então ela se soltava dele e sumia correndo no meio dos outros naquele movimento rebelde. Telenius não teve sequer tempo de impedi-la.
E agora Telenius? Em sua cabeça nunca havia existido tanta dúvida. A única certeza era que tentaria vencer sua próxima luta.
Após tudo voltar ao normal no dia seguinte a confusão e fuga de quase metade dos escravos de onde vivia, Telenius foi informado que pela primeira vez iria lutar nas chamadas “principais”, no sábado. Isso o faria dono de uma platéia maior, mas ao mesmo tempo aumentaria enormemente o risco de sair derrotado. Só restava agora pensar no que de melhor vivera em seus dias, as visões de Efassandra, aquele beijo e abraço inesquecíveis de Telúria.
Era chegado então o sábado, platéia ensandecida, o anunciador quebrava o protocolo e perguntava a Efassandra, que como sempre estava lá a contragosto nas tribunas elevadas:
– Bela jovem, diga a essa platéia a quem prefere ver sobreviver? Telenius, o estreante da noite nas principais, que já venceu mais de 13 lutas, ou Ericlides, o soberbo, que já venceu também 18 lutas, sendo já 6 delas nas principais?
Efassandra então respondeu:
– Eu escolheria que vivessem os dois, mas pra mim são dois assassinos. Não consigo ver nenhum dos dois como ser humano.
Telenius sentiu muito as palavras de Efassandra, decretou então que ali seria sua última luta.
A luta começava, Ericlides não encontrava defesa em nenhum de seus golpes. Massacrava seu oponente rapidamente. Em poucos segundos seria o fim de Telenius. Até que ao cair num canto bem perto dos cercados que o separavam da platéia, Telenius pôde ouvir gritos embargados numa voz chorosa que pedia:
-Não Telenius, não morre, luta, sobrevive, por mim Telenius, sei que isso não te importa mas eu te amo. Vive. Olhou o semblante daquela criatura e a reconheceu. Sim, era ela, Telúria, aquela que verdadeiramente o amava. Fez um esforço tremendo, mas conseguiu se levantar. Agora queria vencer. Já conseguia se defender, e aos poucos atacar. Seu oponente acostumado com a facilidade do começo da luta se descuidou e então Telenius acertou-lhe o golpe fatal.
Mesmo com os gritos ensurdecedores da platéia clamando seu nome, e com seu corpo vertendo muito sangue, Telenius agora tinha certeza que daqui pra frente só lutaria pelo que verdadeiramente lhe valia a pena.
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