(Pensei muito sobre como iniciar minha participação quinzenal no Simplicíssimo. Depois de alguns ensaios, optei por uma reapresentação do que mais gosto naquilo que mais gosto de escrever: literatura. Fui auxiliado nesta tarefa por um amigo. Acompanhem a seguir.)
Um amigo me mandou este questionário através de e-mail. Ele retirou-o de um site que esqueci de anotar, sem imaginar que sou um compulsivo respondedor de questionários. Se vejo em alguma revista um daqueles testes do tipo "Como está seu coração" ou "Você será trairia sua mulher?" ou qualquer outra coisa do gênero, saio respondendo na hora. É claro que não resistiria a tal proposta. Estes dias vi-me respondendo um teste sobre TPM numa revista Cláudia de um consultório…
Então vamos lá. As perguntas estão grifadas.
– Qual o livro que você mais relê?
"A Metamorfose", de Franz Kafka.
– E que livro relido ficou melhor?
"O Idiota", de Dostoievski.
– Dê exemplo de livros injustiçados que, apesar de muito bons, nunca foram devidamente louvados.
São tantos! "Memorial de Aires", de Machado de Assis; "Laços de Família" de Clarice Lispector, "Luzia-Homem", de Domingos Olímpio; "Quatro-Olhos", de Renato Pompeu; "Dona Guidinha do Poço", de Manuel de Oliveira Paiva; toda a obra de Sergio Faraco e mais uns 100.
– Cite um livro decepcionante, que frustrou suas melhores expectativas?
"Alta Fidelidade" de Nick Hornby, o filme era melhor.
– E um livro surpreendente, isto é, bom e pelo qual você não dava nada?
"A Flor, a Carne, os Figos (sobre as mulheres)", de Heloísa Pedroso de Moraes Feltes.
– Há cenas marcantes na boa literatura. Cite duas de sua antologia pessoal.
Vou arrasar nessa: a cena em que Ivan Fiodoróvitch Karamazov conta a Parábola do Grande Inquisidor em "Os Irmãos Karamázov", de Dostoievski; e o diálogo entre Adrian Leverkühn e o diabo (Cap. 25) em "Doutor Fausto" de Thomas Mann.
– Há personagens tão fortes na literatura que ganham vida própria. Cite os que tiveram esta força na sua imaginação de leitor?
Floriano Cambará, em "O Tempo e o Vento" (Parte III, "O Arquipélago"), de Erico Verissimo; Tristram Shandy, de "A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy", de Laurence Sterne; Rodion Raskolnikov, em "Crime e Castigo" de Dostoiévski; o Josef K. de "O Processo", de Franz Kafka; o narrador de "Opiniones de um Payaso", de Heinrich Böll; o Conselheiro Aires, do "Memorial de Aires", de Machado de Assis; a Anna de "O Carnê Dourado", de Doris Lessing; Lucien de Rubempré, de "Ilusões Perdidas", de Balzac; Clarissa Dalloway, de “Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf; etc.
– Qual o livro bom que lhe fez mal, de tão perturbador?
"Berlim Alexanderplatz", de Alfred Döblin.
– E qual o que lhe deu mais prazer e alegria?
Foram tantos… Como foi pedido só um, vai lá: "Sete Novelas Fantásticas" de Isak Dinesen.
– E o que mais lhe fez pensar?
Um só? "Extinção" de Thomas Bernhardt.
– Cite…
a) um livro meio chato, mas bom
"V." de Thomas Pynchon.
b) um livro que você acha que deve ser muito bom mas que jamais leu
Apenas "Ulisses", de James Joyce.
c) um livro que não é um grande livro, apenas simpático
"Ensaio Sobre a Cegueira" de José Saramago.
d) um livro difícil, mas indispensável
"Os Mímicos" de V.S. Naipaul.
e) um livro que começa muito bem e se perde
"Maus presságios" de Günther Grass.
f) um livro que começa mal e se encontra
"Brincando nos Campos do Senhor", de Peter Mathiessen.
g) um livro que valha apenas por uma cena ou por um personagem, ainda que secundário
O olhar entre Sarah Woodruff e Charles Smithson em "A Mulher do Tenente Francês" de John Fowles.
– Qual o início de livro mais arrebatador para você?
"A Metamorfose" de Franz Kafka.
– De que livro você mudaria o final? Como?
"Crime e Castigo". Eu deixaria Raskolnikov sem salvação.
– Que livros ficariam muitos melhores se um pedaço fosse suprimido?
"Guerra e Paz" não precisa daquela tese ridícula no final (mais ou menos 50 páginas).
– Que livros que não têm nada a ver com você, até contrariam algumas de suas convicções e que ainda assim você considera bons ou recomendáveis?
Eu odeio dizer que adoro os livros do fascista Céline: "Morte a Crédito", "Viagem ao Fundo da Noite", etc.
– A literatura contemporânea é muito criticada. Cite livro (s), escrito (s) nos últimos dez anos, aqui ou no mundo, que mereça (m) a honraria de clássico (s) ou obra-prima (s).
"O Avesso da Vida" de Philip Roth; "Aspades, ETs, etc." de Fernando Monteiro; "Afirma Pereira" de Antonio Tabucchi; "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" de José Saramago; "As Horas" de Michael Cunningham.
– Por falar em clássicos. Para que clássico brasileiro de qualquer época você escreveria um prefácio daqueles que incitam a leitura?
"Memorial de Aires", de Machado de Assis.
– Cite um vício literário que considere abominável.
As explicações nos rodapés por parte dos autores.
– E qual a virtude que mais preza na boa literatura?
A sinceridade.
– De que livro você mais tirou lições para seu ofício?
A obra mais “pedagógica" que conheço são os Contos de Machado de Assis.
– Qual a palavra mais bela – e a mais feia – da língua portuguesa? E que a frase ou verso que escolheria como epígrafe desta entrevista?
Palavras? Vou deixar esta em branco, tá?
A epígrafe para esta "entrevista"? Ora, só pode ser….
Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente na livrarias:
Preciso de todos.
Mundo Grande (Fragmento) – Carlos Drummond de Andrade
Milton Ribeiro mantém o blog www.miltonribeiro.blogger.com.br .
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