Em meio à rotina do dia a dia, surgem aqueles personagens que de longe ignoramos, ou desprezamos. É assim que eles aparecem nos transportes coletivos que circulam nas cidades. Rostos já conhecidos, textos que os passageiros provavelmente já sabem decorados, mostrando o quão são miseráveis ou querendo que os vejamos como tal. Pedintes, retratos de uma sociedade desigual.
Certo dia, algo me chamou a atenção, um ser que aflorava em algumas pessoas um sentimento de solidariedade e em outras de nojo. Essa pessoa que subia nos ônibus para pedir uma ‘ajudinha’ tinha algo diferente dos outros pedintes. Sua voz era enrolada como a de alguém que sofreu um AVC; ao falar babava e tinha dificuldade de se segurar ao balançar do ônibus. Quando aquele Ser diferentemente especial subia no ônibus, as faces indigestas dos passageiros eram notáveis, aquela situação não era nada agradável para ninguém, principalmente para aquele que vergonhosa e necessariamente estava pedindo.
Com um corpo frágil, devido a alguma doença que não consegui identificar, aquele pedinte sentia a necessidade de se sentar o mais rápido possível. A pessoa que estava sentada no banco logo se levantara, com receio de que a saliva do pedinte lambuzasse suas roupas, deixando-o solitário, sempre solitário. Essa foi uma cena que se repetiu durante muito tempo… mas, algo havia mudado…
Algum tempo depois, aquele pedinte subiu no ônibus, e vi o seu semblante diferente. Usava farda, tinha uma pasta de trabalho e um crachá pendurado no pescoço. Fiquei imaginando quem teria dado uma oportunidade àquela pessoa? Os olhares dos passageiros não mais o incomodavam, ele estava feliz. Sentou-se à janela, mais uma vez sozinho, e simplesmente esperou que o ônibus desse partida.
Enquanto os passageiros se acomodavam, um rapaz ofereceu-lhe uns trocados, e o ex-pedinte simplesmente rejeitou. Disse que não precisava. O rapaz insistiu para ele aceitar, talvez ainda sentisse pena daquela rosto tão conhecido nos ônibus. O ex-pedinte olhou firme no rosto do jovem, sorriu, abraçou a bolsa, e só então aquele gesto fez o rapaz perceber que alguém tinha acreditado que ele era capaz, mesmo com todas as suas limitações. Eu o observava, e durante a viagem, mesmo sentado solitário naquele banco, ele apenas sorria.
Infelizmente, vivemos em uma sociedade que pedir virou emprego, e que o limite entre a caridade e a miséria é muito curto.
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