Simplicíssimo

A Firma

São Paulo, 08 de janeiro de 2007.

A FIRMA

Organização total. As peças se encaixam perfeitamente. Cada um com seu papel específico, treinamento com afinco, organização, primordial.

O alvo é detectado. O primeiro elemento envia o sinal ao segundo. Um assobio, palmas, um grito no meio do ensurdecedor barulho do centro da cidade. O segundo, em posição estratégica faz a identificação e aciona os demais membros da empresa. Em pouquíssimo tempo estão todos posicionados. O alvo dificilmente percebe qualquer movimento suspeito, até porque só se tornou alvo por informar à empresa através de suas expressões que realmente não está em condições de desconfiar de algo suspeito.

Atendidas todas as condições, equipe posicionada, alvo atravessando o terreno propício, condições externas favoráveis, dá-se a ação. Irrepreensível. O ataque dura de dois a quatro segundos. No segundo seguinte já não há ninguém à volta, apenas o alvo. Atônito, perplexo, sem entender exatamente o que se passou.

Da visão do alvo, o que se passa é que ele estava entretido em seus pensamentos, avaliando condições existenciais materiais e espirituais, expectativas, cálculos de dívidas versus salários, juros, clima, humor da noiva, briga com a mãe, o xixi do cachorro no corredor da sala, etc. Enfim, à sua frente não havia uma Praça da Sé, milhões de pessoas apressadas, poluição sonora ensurdecedora, chuva, pivetes, mendigos, transeuntes e ladrões. Um solavanco acompanhado de um grito, um puxão no bolso, passos correndo, a estranha dúvida se aconteceu alguma coisa mesmo, ou se foi sua imaginação. Uma instintiva passada de mãos nos bolsos, celular, dois senhores ao lado perguntando se levaram alguma coisa. O alvo ainda está atordoado, não entendeu bem se foi sonho, imaginação, não respondeu às perguntas dos senhores ao lado. O certo é que no momento do ataque, o único lugar que lhe veio à mente em olhar era justamente o que não havia realmente ninguém. Esta virada de corpo instintiva é justamente aquela que permite à empresa a dispersão pelo ângulo inverso de visão.

O alvo era exatamente este que vos escreve estas tortas linhas. A empresa não foi identificada, mas sabe-se que os dois senhores distintos que davam a impressão de que também foram atacados fazem parte da empresa, ou são exatamente a referida. O resultado da investida foi apenas o crachá da empresa, que aqui na capital paulista permite o fluir gratuito de seu portador nos ônibus municipais, nada mais.

Alguns dias depois um posto de recarga de créditos do transporte municipal informa que o crachá foi encontrado, ou melhor, deixado no balcão de recarga, pois um outro tipo de alvo tentou recarregar o crachá, pensando tratar-se de bilhete único recarregável.

Marcos Claudino, 37 anos, profissional de Recursos Humanos, teve um carro, um relógio e um crachá funcional levados sem a sua devida autorização no decorrer de sua existência atual, mesmo tendo nascido e crescido na maior cidade da América Latina. Teve sorte sim, mas não sabe até quando.

Marcos Claudino

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