São Paulo, 02 de fevereiro de 2007.
A LENDA
Relógio, documentos, celular, dinheiro. Os primeiros a serem abandonados. Depois vieram televisão e rádio. O próximo foi o carro. A bicicleta doeu mais, mas mergulhou nas águas podres do Tietê. Roupas foram queimadas. Vestiu-se com uma mistura de folhas de bananeira e cipós, não fáceis de encontrar. Não ficou muito, diríamos, convencional. Partiu.
Seguiu na direção norte. Destino: Amazônia. Floresta Amazônica. Pés descalços na estrada. Sol a pique. Comia restos, insetos, ratos. Bebia chuva, poças de água parada ou em movimento, urina. Passou o inferno em busca do céu. Guiado pelo sol seguiu. Seguia e sorria, a e de todos.
Foi xingado, enxovalhado, humilhado, atropelado, ridicularizado, filmado. Fizeram um documentário, depois uma reportagem. Deu autógrafos, fotografaram ao seu lado. Alguns acompanharam-no por um tempo. Era uma espécie de Forest Gump mudo, bem mais feio e mal tratado. Os acompanhantes desistiam logo, e logo voltava à solidão com gratidão. Seguia e sorria, a e de todos.
Dormia onde estava. Simplesmente parava de andar, deitava-se, vencido pelo cansaço. Não importava a hora, clima. Só deitava quando o corpo ordenava, e obedecia.
Sete anos depois, numa manhã qualquer, igual às outras, diferente de todas, pisou o primeiro pedaço de mata virgem. Abaixou-se e beijou o chão. Chorou e rezou em silêncio. Inutilizou o resto de roupagem que ainda possuía. Livre enfim.
Ainda hoje ouve-se as histórias dos aborígines e ribeirinhos, sobre o Curupira, visto por tantos, seu cabelo de fogo, seus pés tortos. Os filhos destes preferem acreditar ser este o Tarzan.
O que ninguém quis saber, e nem se sabe se conseguiriam se o quisessem, foi o porque da viagem, do abandono, da mudança, e da morte por tristeza profunda, bons anos depois. Ela realmente partiu seu coração.
Fim…
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