São Paulo, 13 de dezembro de 2005.
CONTOS NATALINOS – PARTE I
A fábrica produzia a todo vapor. Noel comandava toda a produção, relações com os fornecedores, negociações com o Sindicato dos Duendes. Era mês de outubro, e o cronograma produtivo estava em dia, mesmo com a onda de roubo de carga, tão em moda ultimamente. O certo é que a pressão era grande.
Seis da tarde, mesmo com o encerramento do expediente, Noel continuava no escritório, analisando alguns relatórios gerenciais e, o maior dos trabalhos, abrindo cartas. Muitas delas vinham em línguas estranhas, dialetos africanos ou mongóis, e era difícil encontrar na internet a tradução para todas imediatamente. A partir das cartas, passava à secretária as informações para a logística. Enfim, o Velho Noel estava muito cansado, e conseguia repousar o gordo corpo durante poucas horas nas noites frias do Pólo Norte.
Certa manhã, estranhando o atraso do bom velhinho à mesa do café da manhã, Mamãe Noel sobe ao quarto do casal. O velhinho estava mal. Suores e tremedeiras em meio aos gemidos angustiados. Após a visita do médico, recomendação de repouso absoluto durante três meses. O stress corrompeu o sistema imunológico do bondoso ancião.
Temendo o comprometimento das entregas anuais, a comissão de assessoria à presidência abre e publica concorrência para a contratação de consultoria independente que garanta o cumprimento dos cronogramas de produção e entrega. Vence o processo uma empresa brasileira, Planaltos Consultores e Gestão Empresarial, que apresenta fórmulas inovadoras e simples de estruturação produtiva.
Passadas algumas semanas, é possível ver duendes espalhados nos arredores da fábrica, máquinas paradas, renas soltas pelos pastos, mas a comissão de auditoria garante que, com a fórmula inovadora, os cronogramas serão cumpridos sem a utilização de toda a força produtiva.
Na grande noite, muita confusão na formação das equipes, os sósias do bom velhinho parecem estar um pouco tontos, meio desatentos, a alguns saem sem duendes, outros sem os sacos de presentes, algumas renas parecem ou pouco adoentadas. Mas a comitiva sai, e em poucas horas efetuam a grande e nobre tarefa, preparada com tanto carinho.
Noel restabelece-se ao final de janeiro. A fábrica parece abandonada, máquinas corroídas pela ferrugem, piso sujo, pedaços de brinquedos pelos cantos, muito papel em toda parte. No escritório, uma montanha de cartas de reclamações de crianças do mundo todo, em sua maioria, chorosas pela falta do presente, brinquedos quebrados ou errados.
O derrame não derrubou o ícone natalino, mas causou seqüelas irreparáveis, que comprometeram a direção da fábrica pelo resto da eternidade. Instaurou-se uma sindicância, até a polícia federal local foi acionada, e Papai Noel foi responsabilizado por todos os desvios e sonegações encontradas, passando o resto de seus dias em prisão domiciliar, com Mamãe Noel costurando a lavando pra fora, garantindo o mínimo dos remédios, e o magro sustento… A lenda do Papai Noel indeferiu o final da carreira por motivos politicamente corretos.
Marcos Claudino, 12/2005. Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança entre fatos, pessoas ou acontecimentos, terá sido mera coincidência, ou não, sei lá…
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