São Paulo, 22 de novembro de 2005.
O DESPERTAR…
Foi uma discussão leve, sem maiores conseqüências. Uma chamada mais dura do chefe, que nunca saberia entender todo o seu esforço em manter os controles atualizados, cumprir os prazos no envio das informações, toda a sua capacidade técnica, enfim, a gama de atribuições que ele utilizava para executar bem suas atividades. Segundo o chefe, ele custava muito pelo pouco resultado que estava gerando. Segundo ele, ganhava pouco pelo tanto que era cobrado e produzia. Nada demais, nenhuma novidade em relação a tantos relacionamentos profissionais que conhecemos.
O certo é que ele saiu, foi tomar um ar, espairecer as idéias. Entrou no shoping e resolveu ver um filme. Nem percebeu que entrou na seção de uma película extremamente violenta, um trash moderno, recheado de sangue em várias modalidades, esguichos, poças, rios, gotas, etc. Olhava para a tela e não acompanhava o enredo, só pensando nas besteiras que a superioridade hierárquica lhe confrontava de forma tão incompreensível e dura.
Foi para casa, uma certa dor no corpo, um mal estar leve, como a sensação de uma gripe que se aproxima. Precisava dormir um pouco, tentar esquecer aquele dia fatídico. Um banho quente, uma visita à geladeira, e o doce repouso do injustiçado guerreiro solitário.
Acordou pior. Dor de cabeça constante, corpo dolorido, tenso. Banho, roupas, e o caminho do metrô, rumo ao leão a ser abatido mais uma vez.
Estranhou a polícia na porta do prédio, movimentação excessiva para o horário, todos os funcionários na calçada. Aproximou-se, e foi imediatamente detido por um delicado homem da lei, que, além de não ler seus direitos, bateu propositadamente sua cabeça no teto da viatura. Os colegas observavam estupefatos.
A imprensa inventou apelidos ao jovem que não confessava um crime mesmo com tantas evidências apontando sua culpa. Julgado e condenado rapidamente, devido às pressões da famosa opinião pública.
Após trinta e cinco longos anos, um senhor assustado é libertado da penitenciária de segurança máxima, lembrando-se muito pouco dos motivos que tiraram mais da metade de sua vida em liberdade. Chegando na casa, agora abandonada e semidesmoronada, sentou-se para avaliar os papéis de sua liberação. Duzentos reais em notas pequenas, um relógio agora valioso pela idade, o terno surrado que não lhe servia mais, e o exame médico de saída, apontando necessidade de tratamento para o sonambulismo…
Marcos Claudino
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