São Paulo, 28 de novembro de 2005.
O HOMEM INVISÍVEL…
Sozinho no mundo, família no interior, morando num bairro distante, poucas intimidades no trabalho. Eis um homem solitário. As satisfações pessoais vinham de uma ou duas visitas mensais à região do baixo meretrício. Já tinha as meninas de preferência, formando com elas até certa relação de amizade. Boas garotas, aquelas, apenas tiveram azar na vida. Sorte dele…
Vida relativamente regrada, confessando-se ao padre regularmente, preferencialmente antes das visitas às amigas. Organizado, carro seminovo, casa limpa, três compras anuais de roupas, doações às sociedades beneficentes, que sempre descobriam seu telefone, garantindo uma consciência quase leve.
Silvano era pouco notado no trabalho. Cumprimentos formais aos colegas, almoços solitários, sem culpas. Com exceção da festa de final de ano, onde cumprimentava polidamente os chefes e ia embora, nem era lembrado nos churrascos informais, casamentos, aniversários, nem no seu próprio. Apagado por opção, fugia de fofocas e tramóias sem ser notado. Sala isolada, relatórios fáceis e cronológicos enviados por e-mail. Um minuto após o término do expediente já estava entrando no carro, rumo ao descanso.
Certa tarde, retornando do almoço para dar uma navegada básica pelos sites fúteis da web, deparou-se com um comunicado no quadro de avisos. Reengenharia. Nunca havia ouvido falar. O certo é que pedia que fechassem suas gavetas e armários na sexta-feira próxima, pois na semana seguinte estariam em lugares diferentes, designados pelos responsáveis. Data combinada, tratou de cumprir as ordens.
Uma lista alfabética orientava o funcionário que chegava quanto ao andar, sala, localização exata de cada um. E lá estava grafado claramente que Silvano Franco Pereira deveria se dirigir ao quarto andar, ala três, sala 445. Estranhou tratar-se de uma sala de reuniões, mesa oval para vinte lugares, e suas coisas não estavam lá. Uma funcionária do RH chegou, cumprimentou-o e informou que no grande corte ocorrido há nove anos atrás, por uma infeliz coincidência, sua rescisão não foi processada, e seus vencimentos continuaram a ser pagos normalmente, sem que notassem a irregularidade. Mais de mil funcionários, sabe como é, uma confusão infeliz. Como não foi culpa dele, a empresa estaria arcando com todas as despesas pagas irregularmente, e indenizaria o valor da época da rescisão corrigido pela melhor taxa. Nem uma resposta ou reação, clima constrangedor. A funcionária não sabia o que dizer mais, e Silvano não demonstrava qualquer reação, apagado como sempre.
De repente, num gesto rápido, encaixa o braço em torno do pescoço da jovem, asfixiando-a em poucos minutos, sem qualquer barulho. Observa o corredor, deserto, e desfaz-se do corpo por meio da tubulação que, desativada, não leva a lugar algum. Ajeita a roupa, uma água no rosto, e retorna ao antigo posto, onde suas coisas encontram-se intactas. Elabora os três relatórios solicitados para o dia, passa o crachá na saída, e vai visitar a amiga fornecedora de prazer… Precisa relaxar, dia duro…
Agora dois corpos descansam na tubulação desativada da empresa, um com uma estadia de nove anos, e outro recém chegado. Nada demais ser demitido, mas quando se tem uma senha que permite acesso ao sistema de RH, basta ter sangue frio na dispensa…
Marcos Claudino
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