Simplicíssimo

Pelo bem da nação…

São Paulo, 25 de julho de 2005.

 

PELO BEM DA NAÇÃO…

 

Não me venha com essa não, moço… Eu sei muito bem o que estou fazendo. Estudei muito, trabalhei demais pra chegar até aqui. Não seria justo eu não aproveitar esta chance agora…

Preenchi a ficha e esperei a entrevistadora. Era uma agência de publicidade desconhecida. Fui aprovada após mais alguns testes. Não me disseram muito sobre meu chefe. Disseram que eu deveria manter os arquivos em ordem, encaminhar os e-mails, agendar as viagens, receber as visitas. E foi isso mesmo que eu fiz.

O salário era baixo, a empresa estava começando, e eu iria crescer junto com a empresa. Meu chefe, um careca meio estranho, era muito discreto. Dava bom dia, despachava durante alguns minutos, pedia algumas ligações, e saía. Isso lá pros meados de 1999, 2000, não me lembro bem…

No final de 2001 foi que as coisas começaram a mudar. A agenda estava mais cheia ultimamente. Passava semanas sem ver o chefe. Ele ligava de Brasília e pedia alguns telefones, alguns relatórios e eu mandava. Quando estava no escritório, começou e receber umas visitas estranhas. Não que eu seja preconceituosa, mas aqueles barbudos fumavam uns charutos fedorentos, tomavam muito uísque, falavam alto, se chamavam de companheiros. Eram um pouco mal-educados, sabe… Sempre me trataram com respeito, mas eu percebia alguns olhares mais diretos pra minha bunda… Tudo bem, sabe, uma secretária deve sempre manter a postura…

Foi quando tudo mudou. O Lula virou presidente, e o escritório, que era composto de três salas, ganhou mais três andares inteiros. Ganhei bons aumentos, sabe… O chefe passava uma vez por mês para pegar os recados. Sempre carregado de malas. Às vezes pedia pra eu levar algumas ao banco, depositar no nome da irmã do Dr. Fulano, tia do Desembargador Cicrano. Eu, sabe como é, mantinha minha postura. Fazia tudo direitinho…

As festas na empresa agora eram regadas com champanhe francês, bons uísques escoceses (agora legítimos), e algumas garrafas de cachaça, pois ninguém é de ferro… No final do ano eu recebia bons envelopes de gratificação, comprei meu apê, um carro do ano, e a vida estava finalmente recompensando-me pela minha dedicação…

Uma vez um repórter me chamou pra uma entrevista. Não entendi bem porque, mas acho que era porque eu me tornara uma secretária importante. Perguntou-me sobre os negócios da empresa, e eu, inocentemente, falei tudo. Não pensei que fosse ruim, sabe… Até seção de fotos eu fiz. Prometeram que a revista sairia em breve, e eu até comprei vários números, mas nunca via minha entrevista.

Dia desses, preparando minha roupa para trabalhar na segunda-feira, assistindo o fantástico, parecia que era uma câmera escondida, não entendi bem. O certo é que ele falou vária vezes o nome de um dos amigos do meu chefe. Alguma coisa com os Correios, não sei bem… O certo, moço, é que quando eu cheguei no escritório na segunda, estava tudo uma bagunça danada. Sobre minha mesa, apenas um envelope, com um cheque e uma comunicação que o escritório fechou, e eu fui demitida…

Ai, moço, fiquei desesperada. Logo agora que eu dei entrada no meu sétimo apartamento, troquei de carro… Fui pra casa triste e sem esperança. Parei numa banca de jornal, e vi, finalmente, minha foto na revista. Comprei uma, e vi que minha entrevista estava lá… Saí muito bem nas fotos, gostei. Nem li a matéria direito…

Sei que depois disso, minha vida mudou. Agora nem me preocupo mais com o desemprego. Umas pessoas legais se aproximaram, e ofereceram-me ajuda. Mandam dinheiro toda semana, não fedem a charuto cubano, nem ficam olhando pra minha bunda.

Olha que genial, moço, tem umas pessoas que até me acham atraente agora… Dizem que eu pareço com uma tal de Nicole Kildare, ou algo assim… Pois é, meus amigos já estão até arrumando pra eu posar nua numa revista. Eu acho que vou aceitar, sabe. Pode ser até que eu pegue o dinheiro das fotos, e me candidate a Deputada. Meu advogado me deu o slogan da campanha: "Antes pelada do que corrupta"… Fala, moço, se não é o máximo!!

Que foi, está olhando o que, moço… Quando aquele motorista do Collor falou tudo aquilo todo mundo elogiou. E o que aconteceu com ele, a não ser umas matérias aqui e ali, e depois um pé na bunda… Pois eu vou aproveitar bem minha fase. Porque eu sou brasileira, e não desisto nunca, moço…

 

Marcos Claudino, 36 anos, profissional de RH, é noivo de uma secretária, honesta e desempregada, que consegue deitar à noite e dormir tranqüilamente…

Marcos Claudino

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