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Racistas, nós?

Um dos diretores executivo de jornalismo da rede globo, Ali Kamel, acaba de lançar no mercado editorial Não Somos Racistas, um livro pequeno que trata sobre a questão das cotas raciais para o ingresso de afro-descendentes nas universidades brasileiras. Confirmando as expectativas, o autor se demonstra totalmente contra o programa de cotas e utiliza seu livro para demonstrar ao leitor as razões que o fazem tomar tal posição. Em vários momentos, o discurso chega a tomar um viés proselitista, querendo fazer com que os leitores abracem sua opinião incondicionalmente.
Estruturado de maneira lógica e muito bem argumentado, o livro é muito interessante para aqueles que buscam fortalecer suas posições contra o ingresso de afro-descendentes nas universidades públicas através das cotas raciais. Em contrapartida, para aqueles que apóiam esta tese, o livro pode ser muito irritante em razão do discurso do autor parecer defender, muitas vezes, os interesses de determinados grupos sociais como a classe média "esmagada", que é majoritariamente formada por brancos.
A questão central sobre a qual o livro se apóia é a de que a partir da década de 50, grupos de intelectuais, especialmente os ligados a sociologia, começaram a promover uma mudança na visão que o povo brasileiro tinha de si mesmo, passando de um povo misturado com diferentes tonalidades de cor de pele da qual se orgulhavam, para um povo bicolor, onde quem não é branco é considerado negro e sendo todos fortemente oprimidos pelos brancos. Todo o livro é permeado por este pensamento e Kamel escolhe o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como o representante desta mudança de paradigma, a qual seria a origem do surgimento de movimentos em favor dos afro-descendentes e programas como os de cotas.
Usando as estatísticas do IBGE, Kamel reconhece que a presença de negros e pardos nas universidades é pequena, quando comparada com a presença dos brancos, mas argumenta que essa diferença não se dá em função de racismo que, para ele, inexiste de forma institucional e em grande escala no Brasil, mas sim, que seja decorrente da má qualidade da educação nos ensinos fundamental e médio da rede pública, onde a maioria dos habitantes pobres deste país estão matriculados. Portanto, para Kamel, o que causa a desigualdade entre brancos e afro-descendentes nas universidades é a pobreza que atinge a todos, mas em maior quantidade os afro-descendentes, e não o racismo.
Para solucionar o problema, o autor sugere investimentos maciços do governo em educação, de maneira semelhante ao que fizeram Chile, Irlanda e Coréia, que conseguiram dar essa virada nos padrões de qualidade de suas educações há alguns anos e hoje começam a colher os frutos de tais políticas. Para isso, aponta que o dinherio deveria sair dos programas de transferência de renda como o Bolsa Família ou os programas de auxílio a idosos e deficientes físicos que, para ele, são mal gestados e com baixo foco, beneficiando, em muitos casos, pessoas fora do perfil traçado pelo governo para receberem tais benefícios. Traduzindo em números, Kamel demonstra que no ano de 2006 o governo pretende investir 20 bilhões de reais em programas de transferência de renda e 9 bilhões de reais em educação. Sua idéia é inverter esses investimentos, e aplicar os 9 bilhões com transferência de renda com maior controle e para quem realmente necessista.
O grande mérito do livro é trazer a questão das cotas raciais novamente à tona de maneira inteligente e com uma boa argumentação, independente de o autor ter deixado a isenção do jornalista de lado e se posicionado claramente em favor de um dos lados. Porém, talvez em razão da brevidade do livro, o autor não apresenta soluções que busquem diminuir a diferença do número de brancos e afro-descendentes na universidade à curto prazo e, mesmo na solução que ele apresenta, que é o investimento massivo em educação, ele não dá nenhuma indicação de como este dinheiro deveria ser investido, deixando livre a interpretação de que o dinheiro da educação poderia ser investido tal qual é feito atualmente, nessa mesma infra-estrutura educacional, o que me parece um grande equívoco.
Portanto, "Não somos racistas" vale o investimento dos R$22,00 pois ajuda o leitor a desenvolver uma massa crítica de conhecimento sobre a questão das cotas raciais, o que é fundamental para que se tome uma posição sobre este assunto, independente de qual seja a opinião prévia deste leitor. Além disso, como o próprio título sugere, o livro propõem uma reflexão sobre o racismo no Brasil. O autor deixa muito clara sua posição quanto a este assunto mas, como aconteceu comigo, pode ser que o leitor não chegue a mesma conclusão, por vários motivos, como viver o cotidiano de uma periferia excludente onde brancos e afro-descendentes vivem em um conjunto não tão harmonioso como o pregado pelo autor, ou então, sentindo na pele a discriminação racial da polícia, da escola pública, da saúde pública, das empresas privadas e de muitos segmentos da sociedade, que se escondem atrás de posturas hipócritas contra o racismo, jamais admitindo a não conformidade que sentem contra os afro-descendentes, mas impedindo que estes aproveitem as oportunidades que uma sociedade republicana democrática oferece à todos os seus cidadãos.
NÃO SOMOS RACISTAS
Ali Kamel
Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2006
3 Estrelas

Roger Beier

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