Simplicíssimo

O que será?

  Já estou aqui há um bom tempo. Não anos, meses ou dias. Horas. Duas. Talvez um pouco mais. Em meu pulso há um relógio. Mas não me preocupei em saber qual era a posição dos ponteiros quando cheguei.

 

  E a exatidão não importa, a bem da verdade. Importa é que aqui estou há pouco mais, pouco menos, de duas horas.

 

  É uma praia. Estou sentado na areia, de frente para o mar. Que está tranqüilo. E eu também. Ao menos aparento. Ou me esforço para aparentar.

 

  E aos poucos acabo mesmo ficando mais calmo.

 

  São 8 e 47 da noite. Saí de casa avisando que não teria hora para voltar. Todos achando normal eu sair para beber e tentar a sorte com mulheres em algum bar à beira da praia. Ou quase todos. Minha mãe e minhas tias riram da brincadeira, mas no fundo se perguntavam se eu estava falando sério. Não queriam que o queridinho delas fosse igual aos homens que elas conhecem e convivem há tantos anos. Mas até que não seria uma má idéia. Acontece que prefiro ficar aqui mesmo, sentado, sentindo a brisa do mar e o cheiro de água salgada invadir minhas narinas.

 

  E observando o esvoaçar da fumaça dos meus cigarros. Ajuda a controlar o nervosismo.

 

  Não queria prolongar minha estadia aqui. Soube em meados de novembro que passaríamos as férias em nossa casa na praia. A família toda e alguns amigos. Ela não poderia vir por causa do trabalho. Isso foi antes de termos a tal notícia, em dezembro. O verdadeiro motivo para ela não ter vindo.

 

  Preciso ir embora. Não consigo mais guardar isso comigo. E não posso dividir a notícia com ninguém, pois não há nada certo ainda. Pode ser que não se concretize. Enfim, daqui para o fim da semana invento alguma boa desculpa e volto para casa. Afinal, sou o rei das desculpas.

 

  Tenho pra tudo. Para não ir ao clube no fim de semana, para não ir ao futebol com o pessoal do trabalho, para justificar uma sumida repentina. Tenho até uma desculpa pronta para o caso de precisar matar alguém. Um homem não pode matar alguém sem ter uma boa desculpa. Por isso os serial killers nos parecem tão idiotas. Porque são pegos pela polícia e nada dizem quando aparecem no noticiário e um jornalista pergunta “por que você fez isso?”. Comigo não seria assim. Eu daria uma boa resposta para aquele microfone na mão. Ao menos não me considerariam um idiota. Idiota, sim, seria aquele que, ao ver minha declaração na tevê, me procuraria na cadeia para escrever minha biografia.

 

  Mas não sei quem poderia matar. São tantas pessoas, tantas opções, tantos motivos, que fica difícil escolher.

 

  E aqui estou eu, olhando para o mar tranqüilo em minha frente. Vendo as luzes da cidade no horizonte. Muitos prédios. E pessoas dentro dele fazendo sabe-se lá o quê.

 

  O movimento das ondas, o vagaroso vai e vem. Lembro-me de uma música que diz “como uma onda no mar”. Meu problema seria como uma onda no mar? Ele veio e vai embora? E se for embora, e se é como uma onda, ele voltará de novo?

 

  Ao vir para cá, deixei duas pessoas. Na verdade uma, com outra dentro dela. Prometi voltar. Mas se eu voltar, o que será?

 
  O que será?

Rafael Rodrigues

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